Destino: naufrágio
A Paixão dos Naufrágios


 
Revista Mergulho, Ano XV - Nº 182 - setembro/2011
Texto Maurício Carvalho
 

Quando comecei a esquematizar essa matéria, achei que o assunto estava escasseando. No último ano, devido a muito trabalho e problemas de agendamento nas viagens, mergulhei menos em novos naufrágios. Por isso, tive a curiosidade de verificar que assuntos já haviam sido publicados nessa coluna da Revista Mergulho. Qual não foi minha surpresa ao descobrir que esta seria a quinquagésima matéria.
Fiquei me perguntando como a Revista Mergulho e os leitores me aguentaram durante tanto tempo?
Isso só poderia ter uma explicação. A Paixão! Naturalmente não por mim, mas por esses destroços de mexem tanto com o imaginário coletivo, despertam emoção e desafio em pessoas que muitas vezes nem mergulham.
Por isso, queria dedicar esse texto, a paixão pelos naufrágios e algumas das pessoas que mais se dedicam e estudar suas histórias, dramas, causas e consequências. Seja nos empoeirados documentos de bibliotecas, seja nas frias ou agitadas águas de nossa costa,
grandes pesquisadores e mergulhadores como Edísio Gomes, Ivo Brasil, Prof. José Góis, Marcelo Ferrari, Marcelo Polato e Roberto da Luz, entre outros, ajudaram nas três últimas décadas, a consolidar entre os mergulhadores brasileiros a paixão pelos destroços e sua áurea de mistério.

No início da década de noventa, realizavamos os Encontros de Mergulho em Naufrágio. O lema era "Muito Blu, blu, blu e pouco blá, blá, blá". Nessa época, tinha de haver muito esforço para se conseguir chegar nos naufrágios. Não havia interesse, conhecimento dos pontos e operações direcionadas. Hoje, a maioria das operadoras oferece os naufrágios como o prato principal de um cardápio variado de pontos de mergulho. Basta anunciar alguns pontos, como o Buenos Aires, Cavo Artemidi ou o Vapor Bahia, para garantir o barco cheio. Além disso, ainda podemos nos orgulhar de ter naufrágios, além de raros e especiais, muito bem documentados. Ainda há muito por fazer, mas nosso caso de paixão está muito bem encaminhado.

 

O QUE REALMENTE É MERGULHAR EM NAUFRÁGIOS

Quando falamos em mergulhar em naufrágios, a maioria dos mergulhadores ainda pensa em penetrar em locais escuros, de difícil acesso e, com o risco de se perder, ficar preso, ou ver o teto desabar sobre a cabeça.
A realidade não poderia estar mais longe. Hoje, registrados no SINAU (Sistema de Informações de Naufrágios) existem 2183 naufrágios em nossa costa, destes, apenas 391 estão localizados, o que mostra o enorme potencial que o mergulho no Brasil ainda pode explorar. Deste total, apenas 44 são considerados inteiros, mas 11 são pequenos rebocadores. Ou seja, 33 teriam reais condições de penetração em ambiente escuro.
Com esses números, fica fácil de compreender que mergulhar em naufrágios está muito mais ligado a gostar de sua história e tudo que a ela está relacionado, do que penetrar em condutos escuros.

Para aqueles que gostam de peixinhos, é importante lembrar que os naufrágios por seu efeito peneira e estrutura tridimensional geralmente apresenta maior biodiversidade do que o costão próximo a ele, equiparando-se aos recifes de coral.
Não se envergonhe de gostar de ver peixinhos, eles também estarão no naufrágio a sua espera, naufrágios são para todos, o importante é o seu prazer.
Mergulhar em naufrágios é transformar sua atividade de mergulho "DE UM FIM, PARA O MEIO". Quando mergulhamos como FIM, e a água não está muito clara, geralmente a frustração aparece na forma de reclamações e a idéia do churrasco ou festa que perdemos martela nossa consciência. No entanto, quando o objetivo é o naufrágio e o mergulho é a ferramenta para atingi-lo a visibilidade da água pouco importa.
 

O efeito peneira ocorre pois, diversos tamanhos de peixes encontram
nas estruturas complexas dos destroços pontos de proteção
contra predadores maiores, o que permite que sejam agregados
no mesmo local vários níveis da cadeia alimentar marinha
Além disso, que outra atividade poderia proporcionar mergulhos de uma semana!
Na quarta-feira começamos a estudar o ponto, ler a história do navio, suas características, o drama do acidente e lá vai a imaginação a mergulhar.
O mergulhador pode estudar os destroços, prevendo rotas e pontos de interesse. Na maioria dos mergulhos o cenário não pode ser previsto. Aqui, com um bom croqui, podemos planejar o que veremos em cada mergulho.
No retorno para casa, muitas horas mais de curtição estarão disponíveis, comparando o que foi visto com o que existe no local. Melhor que isso, descobrir que podemos voltar muitas vezes ao mesmo ponto, pois há a garantia de que haverá mais o que ver.
 

BRASIL, UM DOS MELHORES MUSEUS DE NAUFRÁGIOS

A economia mudou e "segundo alguns autores", passamos de um país subdesenvolvido, á em desenvolvimento e por fim emergente. Embora, com a carga de impostos, me sinta cada vez mais submerso.
Apesar disso, o passado pobre do país deixou um acervo dos mais importantes.
Desde o início de nossa nação, navios velhos e obsoletos das grandes potências eram vendidos e enviados para cá, onde acabavam por afundar.
O resultado dessa importação de sucata é que repousam no fundo do mar do Brasil alguns dos mais notáveis exemplares da história da engenharia naval.
 

Em poucos locais do planeta podemos mergulhar em vapores de rodas, ainda estruturados como os pernambucanos: Vapor de Baixo, Vapor dos 48 e Vapor Bahia. O que dizer de vapores com máquinas oscilantes, que quebravam com tanta frequência, que só foram fabricados por poucas décadas, como o Pirapama, PE. e o Salvador nas águas baianas.
Falando em raridades, pesquise onde se apresentam naufrágio com caldeiras quadradas e verá que João Pessoa na Paraíba é seu objetivo de mergulho. Como se não bastasse, o naufrágio do Queimado, assim como os outros naufrágios citados, ainda estão envolvidos por um cenário e fauna exuberante.
Diversas vezes pesquisadores do exterior já me escrevem perguntando se eu tinha certeza das peças que estavam representadas em meus croquis, pois esses navios não mais existiam e se era possível realmente mergulhar nesses destroços. Minha resposta jocosa - "fácil!", geralmente provocava uma reação de ligeira inveja.


Como biólogo, sei que nosso litoral não apresenta a exuberância e principalmente regularidade de locais como a Grande barreira australiana, Galápagos ou o Mar Vermelho, o que acaba justificando muitas viagens ao exterior. Mas quando o assunto é NAUFRÁGIOS, não os peixinhos ou a água clara a sua volta, nosso país está na disputa da medalha de ouro. Temos alguns dos mais antigos, raros e belos do mundo.

 
UM MUSEU A MAR ABERTO
(Características raras)
ACERVO
NAUFRÁGIO
ANO
LOCAL
Caldeiras quadradas

Queimado
1873
João Pessoa, PB.
Moreno
1874
Rio de Janeiro RJ.
Máq. Alavanca Lateral
Vapor de Baixo
?
Recife. PE.
Máq. Ação direta
Califórnia
?
Ilha Grande, RJ.
Máq. Oscilatória

Pirapama
?
Recife. PE.
Salvador
?
Jauá, BA.
Máq. Compostas
(dupla expansão)

São Luiz
1911
Natal, RN.
Buenos Aires
1890
Rio de Janeiro RJ.
Máq. Compostas
(tripla expansão)

Tocantins
1933
Queimada Grande, SP.
Harlingen
1906
Arraial do Cabo, RJ.
Hélices Planas Queimado
1873
João Pessoa, PB.
Moreno
1874
Rio de Janeiro RJ.
Hélices Armadas Velásquez
1908
Ilha Bela, SP.
Bezerra de Menezes
1891
Angra dos Reis, RJ.
Rodas de Pás
Pirapama
?
Recife. PE.
Vapor de Baixo
?
Recife. PE.
Vapor Bahia
1887
Recife. PE.
Vapor dos 48
?
Recife. PE.
Califórnia
?
Ilha Grande, RJ.
Navio tipo Libert Ship Elihu B. Washburne
1943
Santos, SP.
James Robertson
1943
Rio Grande do Norte.
Fritz Jonh Poter
1943
Bahia.
 
 
Sei que parece muito entusiasmo por um monte de ferros, mas como resistir à paixão, ao mistério e a aventura. Crie coragem, fuja do mais fácil e prático, isso é para os medíocres. Corra até sua escola de mergulho. Existem ótimos especialistas no assunto. Profissionais apaixonados pelo que fazem e que com certeza transportarão você para esse mundo mágico. Buscar objetivos no mergulho tornará nossa atividade ainda mais gratificante.
Como diz um de meus amigos apaixonado:
"Não se pode mergulhar em todos os naufrágios do mundo, mas se deve fazer um esforço para tentá-lo!
O Ministério da Saúde adverte. Naufrágios causam dependência".
Obrigado por todo esse tempo de paciência

 

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.

 

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