Destino: naufrágio


O Limite do Treinamento
Até onde arriscar?


 
Revista Mergulho, Ano XV - Nº 191 - julho/2012
Texto: Maurício Carvalho
 
Para todos aqueles que se envolvem em atividades de risco, seja ele baixo ou alto e independente da modalidade; andar de moto ou mergulhar. A cada participante acidentado, devemos parar e refletir sobre as causas do acontecimento e se você estaria sujeito a ele. Infelizmente, nos últimos meses ando refletindo muito para o meu gosto.
O mergulho autônomo sempre foi considerado por seus praticantes uma atividade segura. Mas essa, não é a visão geral que o público tem do esporte e os últimos acidentes não ajudaram muito. Se falarmos de mergulho em naufrágio ou mesmo caverna, piora muito. Pois, as pessoas logo se imaginam dentro de um buraco escuro, sem saída e não podendo respirar.
Todo praticante de esporte de aventura deve estar atento aos acidentes de sua modalidade avaliando as causas da ocorrência e, honestamente, se ele mesmo poderia ter sido a vítima. Só assim, poderá deixar as especulações e extrair de fatos lamentáveis, algo proveitoso. Infelizmente, o que mais temos é especulação e pouco aproveitamento prático.
Há algumas semanas, li em uma revista de grande circulação, que segundo o Hospital das Clínicas de São Paulo "a maior causa de internação por trauma eram, os tombos de moto". O que não é de estranhar. Mas vejam que fato curioso. Entre os dados estatísticos assinalava-se que, as causas seguintes são: atropelamentos, quedas de altura e para minha surpresa, em 4º lugar, quedas da própria altura (tombos), com quase o dobro do número de casos do 5º colocado, os acidentes de carro.

Se formos fazer uma análise fria dos números, ficar em pé seria a 4º coisa mais perigosa que você poderia fazer, se for para atravessar uma rua então, danou-se!
Parece razoável entender que os idosos, assim como os motoboys engrossam os números de suas categorias. Então qual seria seu risco real de sofrer uma lesão caindo? E qual seria a sua categoria como mergulhador? Você está no grupo de risco
Mas o que o naufrágio tem a ver com isso!
Nos últimos anos ocorreu um crescente de mergulhadores em busca do status de experiente e capaz. Principalmente a partir de cursos rápidos e com instrutores de trajetória meteórica. Fico até com a impressão de que no passado, éramos lentos na formação, quase incapazes.
Será que a experiência pode ser conquistada com um grande número de mergulhos em pouco tempo? Quase como um atalho do tempo, ou será, que ela depende de amadurecimento, análises e maturidade.

Um mergulhador seguro deve ter pelo menos três características; Saber o que fazer; saber como fazer e saber quando fazer. Cada uma dessas habilidades tem sido negligenciada em cursos e consequentemente nos mergulhos subsequêntes.

 
 

O Que fazer
O conhecimento das técnicas de naufrágio é fundamental para o bom desempenho. Ela deve ser conseguida em um curso com método adequado, número mínimo de aulas e material didático e complementar competente. Para construir um mergulhador de naufrágio seguro o roteiro não é simples, já que as condições que podem ser encontradas são muito variadas e é impossível em um curso apresentar todos os cenários que podemos encontrar. Assim, só resta ao mergulhador preparar seu cérebro para reagir da melhor forma possível em cada situação.

Veja os principais itens que precisam ser dominados.

- Métodos de obtenção de informações; são importantes não só porque o naufrágio pode não ser conhecido, mas principalmente porque, naufrágios são mergulhos com script conhecido. Você poderá verificar croquis, histórico e tipo de embarcação planejando o que será visto e em que percurso. O que não é possível em muitos mergulhos.

- Significado das informações: não adiantará você obter dados do naufrágio se não souber o que fazer com eles. Como exemplo, muitos mergulhadores conferem os croquis antes do mergulho, mas se esquecem de ver a data da confecção, pois nunca foram treinados para entender que naufrágios são meios dinâmicos, que mudam sua estrutura ao longo dos anos. A data, indica se esse croqui ainda é válido como orientação.

- Estrutura do navio: Ao longo da história da navegação os navios evoluíram, cada unidade, praticamente possuía um projeto próprio. Conhecer cada tipo e suas peças é antecipar o que será encontrado e permite uma fina orientação durante o mergulho.

- Estrutura do naufrágio: Nada adianta gastar muito dinheiro com configurações de equipamento técnico e sofisticado, pensando em uma penetração. Se o mergulhador não entender a dinâmica das estruturas, ele não estará seguro. Naufrágios não são cavernas! Eles surgem já com data para desabarem, é preciso ter certeza que não se estará lá quando isso acontecer. Antever o que pode desmoronar envolve nuances que dependem do tipo de navio e acidente, data do naufrágio, características locais como: profundidade, temperatura e correntes. Leva-se tempo para aprender todas essas influências.

- Configuração do equipamento para naufrágio: Alguns mergulhadores equivocadamente elegem uma única configuração de equipamento para utilizar, como se isso fosse seguro. Vá mergulhar no Workman, a partir da praia da Barra da Tijuca, RJ, com cilindros duplos e veja o quem acontece (melhor não ir...). Se você não se sente capaz de utilizar tipos diferentes de configuração é porque não está capacitado para fazer certos mergulhos.

- Riscos em potencial no mergulho: Muitas horas são gastas em bons cursos de naufrágio apresentando aos mergulhadores os perigos em potencial, como prevenir, evitar ou remediar cada um deles. Imaginar que "a coisa" não dá errada é mergulhar na Ilha da Fantasia. O mergulhador precisa saber que placas se soltam, criando nuvens de ferrugem, que terminam com a visibilidade, mesmo que você seja o rei da natação de helicóptero. Somente com olhar atento fica claro que você pode ser a vítima e não o causador do acidente.
Muitos mergulhadores se escondem na famosa ideia: "Não vai acontecer comigo, porque eu sei o que estou fazendo!" mas isso é apenas uma desculpa.

- Procedimentos seguros durante o mergulho: Saber como se comportar durante o mergulho em naufrágios e remediar a maioria dos problemas que podem acontecer e o mínimo que se pede. Mas entre saber e fazer, muita perna será batida.

Como Fazer
Nada bastará ser um teórico, ler o livro ou apostila do curso 2 vezes, gastar horas e horas lendo matérias em revistas, sites especializados, ou mesmo fingindo ser o às do mergulho nas listas de internet, se você não colocar a cara na água e treinar os procedimentos.
Treinar significa, executar até o domínio as técnicas propostas e sob supervisão de um instrutor experiente. Muitas vezes será ele que perceberá que o procedimento executado por você na piscina, para solucionar um problema, poderá causar uma situação ainda pior. O exemplo clássico é a epidemia de lastro que encontramos em volta da cintura dos mergulhadores, para solucionar a falta de aquacidade, como fazer é a questão.
Além do mais, repetir um procedimento em condições controladas de uma piscina, não prepara um mergulhador para soltar-se de um enrosco no interior de um naufrágio escuro.

Quando fazer
A grande maioria dos acidentes de mergulho que analisei nos últimos anos. Ainda bem, que não foram tantos assim. Tiveram como principal causa, não a falta de conhecimento ou de habilidade, mas a falta de prudência. Mergulhadores que deixaram sua vontade de atingir um determinado ponto falar mais alto do que a ausência do treinamento e certificação adequada, equipamento apropriado ou momento certo. Porque acima de tudo o mar é um ambiente variável e muito mais poderoso que qualquer um de nós.
Alguns amigos e eu estamos comemorando, os 15 anos do primeiro mergulho amador com Trimix no Brasil. Era o mergulho no fantástico e "imperdível" Wakama; 60 metros de profundidade nas gélidas e escuras águas ao largo de Búzios, RJ.
A operadora de mergulho CIMA do Rio de Janeiro viabilizou a estrutura para as misturas e mesmo sem existirem cursos desse gás no Brasil, lá fomos para o fundo Paulo Dias, Célio Duraes, eu e outros colegas. Hoje minha visão - opinião pessoal - é que nosso equipamento era precário, embora achássemos que estávamos bem paramentados. Além disso, fizemos mergulhos com nível de narcose que hoje não são aceitáveis. Resumindo, sempre nos achamos muito competentes e de técnica impecável para o que estávamos fazendo.
Hoje vejo de forma diferente. Não sofri nenhum acidente, talvez por prudência, tinha muita, dentro do meu nível de conhecimento, ou melhor, desconhecimento, talvez por sorte, ou porque, apesar de tudo, o mergulho é realmente seguro.
Atualmente deixo de fazer certos mergulhos pelo nível de risco que existe e sou muito cauteloso com novos e principalmente revolucionários equipamentos. Vejo claramente, na inabalável, mas imprudente, sensação segurança de alguns mergulhadores, a mesma impulsividade que eu mesmo tinha à 30 anos. Medos ou vantagens da maturidade.

Eu amo os naufrágios, mas nenhum ou qualquer outro mergulho pode me mostrar coisas que valham a pena não retornar a superfície para contar, meu primeiro objetivo como mergulhador é retornar a terra para junto dos que amo.
Antes de colocar sua super máscara e capa, pare e pense se você sabe o que fazer, como fazer e se é o momento certo para fazê-lo. Cada uma dessas capacidades poderá ser feita se as condições se modificarem, mesmo que não seja por sua causa? Qualquer um que se levanta pode cair, qualquer um de nós pode se acidentar mergulhando, mas não podemos arriscar ao limite.
Um bom treinamento, estudo e muita prudência podem deixar nossa amada atividade ainda mais segura.

 

 
Guincho de âncora Cabeço-de-amarração Turcos Âncora almirantado Guincho de carga caldeiras principais Caldeira auxiliar máquinas a vapor Condensador Arco do leme, hélice e leme Cabeço-de-amarração

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.


 

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