Destino: naufrágio
Baron Dechmont
Mais uma Vítima da Guerra


Revista Mergulho, Ano XIII - Nº 172 - Novembro/2010
Texto Maurício Carvalho
 
A entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial com certeza sofreu influências políticas poderosas: de um lado, a simpatia de Getúlio Vargas pelo regime fascista, e por outro, o interesse econômico na ajuda americana. Mas não se pode negar, que a própria dinâmica da guerra, como num tabuleiro de xadrez, com suas prioridades e mudanças de cenário, criou a partir de 1941, uma condição em que a neutralidade já não era mais uma opção para nosso país.
Além dos recursos naturais tão necessários em tempos de guerra, nossa a posição geográfica era favorável aos aliados para a manutenção da ponte para a África. Esses fatores fizeram do Brasil um possível aliado ou inimigo para os dois lados. A guerra no mar foi decisiva para definir esse jogo e o Baron Dechmont mais uma das peças no tabuleiro.
Na primeira fase da Segunda Guerra, os submarinos alemães não utilizavam frequentemente torpedos para afundar navios mercantes. Muito mais eficiente era vir à superfície, acossar o navio, obrigando sua tripulação a desembarcar e utilizar cargas de demolição ou o canhão de proa para colocar a presa no fundo. Torpedos eram caros e pouco eficientes, sendo reservados aos navios militares inimigos.
Com o desenrolar das hostilidades, a partir de 1940, diversos navios ingleses passaram a contar com canhões de proa e popa, guarnecidos por militares treinados para revidar o ataque de superfície dos submarinos. Essa estratégia, assim como o uso de comboios e o aumento da cobertura aérea, obrigou os submarinos, a permanecer mais tempo submersos e, utilizar mais seus torpedos, guardando seu canhão para o tiro de misericórdia.
 

Na popa, está o canhão de proteção. Sua posição, pendendo pela borda apontando o fundo, parece demonstrar a vergonha por não ter conseguido cumprir sua missão de proteger o navio

Em 1942, os submarinos alemães começaram a expandir sua atuação para a chamada Brazilian Area e já em agosto tornaram-se uma praga para a navegação costeira. Até dezembro de 1942 os submarinos alemães e italianos afundaram 28 navios, acumulando mais de 136.000 toneladas de perdas.
 

FICHA TECNICA

DADOS BÁSICOS
NOME DO NAVIO: Baron de Dechmont
DATA DO AFUNDAMENTO: 03.01.1943
LOCALIZAÇÃO: ao largo do Pecém, Fortaleza, CE.
POSIÇÃO:
Lat: 03° 07.42' sul e Long: 038° 46.16' oeste.
PROFUNDIDADES: 25 a 35 metros.
CONDIÇÕES ATUAIS: semi-inteiro.

DADOS TÉCNICOS

NACIONALIDADE: Inglesa.
ARMADOR: H. Hogarth & Son, Ardrossan CO.
COMPRIMENTO: 117 metros.
BOCA: 17 metros.
TIPO DE EMBARCAÇÃO: Cargueiro a vapor de três castelos.
CARGA: Carvão mineral.
MOTIVO DO AFUNDAMENTO: Atacado pelo
U-507.

  O BARON DECHMONT
Esse pequeno cargueiro foi construído em 1929 na Escócia, com o modelo clássico de três castelos, fazia parte de uma série de navios conhecidos como Baron Line, de pouca expressividade, cumprindo rotas para a América do Sul e África.
Em janeiro de 1943 este vapor navegava a escoteiro - fora de um comboio -, repetindo o erro de muitos dos navios afundados em 1942. Navios velhos, lentos e que soltavam muito fumaça, principalmente os cargueiros, tornavam-se um presa fácil para os submarinos alemães e não seria diferente com o Baron Dechmont.
O navio seguia da Inglaterra para Recife e quando já quase passava ao largo de Fortaleza - atual porto do Pecém -, foi atingido sem aviso por um torpedo na altura do primeiro porão. O navio começa a afundar rapidamente de proa. A bordo estavam 43 tripulantes, dois quais, seis morreram na explosão. Os 37 sobreviventes abandonaram rapidamente o navio, passando as baleeiras. Pouco após o afundamento, o submarino alemão atacante veio à superfície. Era grande o medo dos marinheiros de serem metralhados, pois já haviam relatos dessa natureza.
 
No entanto, não houve agressão; mas o capitão Donald Maccallun foi levado a bordo do U-Boat, que submergiu e desapareceu. Essa estratégia visava desfalcar os países inimigos de seus oficiais mais experientes, além de obter, por meio de interrogatórios, informações privilegiadas sobre o estado das frotas e sua distribuição.
No dia seguinte as baleeiras foram localizadas por aviões de busca, que indicaram a direção do litoral. Após longas horas de navegação os 36 tripulantes chegaram finalmente a salvo à costa do Ceará.
 
O U-507
Terminada a guerra, o submarino atacante foi identificado como sendo o U-507 do Capitão Harro Schacht. Em sua viagem anterior a Brazilian Área o U-507 havia afundado em poucos dias, cinco navios brasileiros: Baependi, Araraquara, Aníbal Benévolo, Itagiba e Arará, o que colocou o povo revoltado na rua e acabou por acelerar a declaração de guerra contra os países do eixo.
No final de 1942 o U-507 iniciou uma nova missão de caça em nossa costa, afundando o Oakbank (27/12), Baron de Dechmont (03/01) e Yorkwood (08/01). No dia 12 foi localizado por seguindo um comboio. No dia 13 o submarino foi localizado e imediatamente atacado com bombas, por um avião Catalina do esquadrão americano VP-83 e acabou por afundar na posição 01º 38' sul e 039º 52' oeste, deixando na superfície apenas uma grande mancha de óleo. O U-507 levou definitivamente para o fundo seus 54 tripulantes e seus quatro prisioneiros.
Triste fim tiveram o capitão Maccallun do Baron Dechmont, o comandante do Oakbank, o imediato e o comandante do Yorkwood, que após sobreviverem ao torpedeamento de seus navios, acabaram tornando-se vítimas de seus próprios aliados.
 
O NAUFRÁGIO
O Navio do Pecém é um naufrágio que cobra caro o prazer de conhecê-lo. A navegação longa a partir de Fortaleza obriga os mergulhadores a encarar o mar geralmente agitado, de grandes vagas e com correntes fortes, que também são comuns na região. Mas em compensação, águas claras e um lindo e rico naufrágio estão reservados aos corajosos.
O navio está praticamente integro no fundo - existe apenas uma ruptura parcial na altura das máquinas e o casco está quebrado na altura do primeiro porão. A proa separada está adernada para bombordo.
Seguindo-se em direção a meia-nau, o naufrágio é uma grande sucessão de peças, passagens cobertas e porões. Por essas passagens, muitos peixes grandes como meros e bijupiras passeiam calmamente.
 
Cabeço-de-amarração Armação em V presa ao casco e que se projetava a frente do navio Canhão de proa pendurado na murada Entrada do porão de popa fácil e com penetração tranqüila Caldeiras principais Condensador 2º porão de proa penetração e passagem para outos pontos dos naufrágio. Cabeço-de-amarração banheiro 1º porão de popa
No centro do navio existem duas grandes caldeiras, mas não há sinal das máquinas, que possivelmente foram retiradas do naufrágio, junto com hélice, em alguma operação de resgate.
Na popa, está o canhão de proteção. Sua posição, pendendo pela borda apontando o fundo, parece demonstrar a vergonha por não ter conseguido cumprir sua missão de proteger o navio.
A quantidade de peixes que circula pelos destroços, os organismos aderidos às ferragens e a história dramática da guerra tornam o Baron de Dechmont um dos mais belos naufrágios do Brasil.
 


Mergulhar em naufrágios
reserva mais do que encontrar no fundo pedaços da história. Podemos passear pelos destroços identificando suas peças, interagir com seus habitantes, mas acima de tudo conhecer a história do seu tempo, hábitos, costumes, economia e a geopolítica.

Abra seus olhos e deixe ver mais do que pedaços de metal corroídos.
Naufrágios são história e poesia, drama e desespero, vida diante do espectador.

 

 

 

Veja mais em:
Naufrágio do Baron Dechmont

 

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.

 

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