Destino: naufrágio


Circulando com a história


 
Revista Mergulho, Ano XII - Nº 148 - Novembro/2008
Texto: Maurício Carvalho
 
Debaixo das águas do brasileiras, repousa um verdadeiro museu da navegação: a vapores de rodas
aguardando os mergulhadores que saibam desvendar seus mistérios.

 

Durante o período inicial da navegação a vapor (2ª metade do século XIX). O Brasil foi o destino final da carreira de muitos navios, envelhecidos, obsoletos e navegando pelas grandes potências marítimas, eram enviados a nosso país para uma sobrevida na navegação de cabotagem.
Por isso, em nosso litoral acabaram por afundar algumas das "pérolas" que marcaram época, e outros navios que por serem quase experimentais são verdadeiras raridades na história marítima.
Por volta de 1850 a navegação a vapor começa a substituir com força a navegação a vela, principalmente nos navios militares, transporte de pessoas e bens perecíveis. Os primeiros vapores a circular pelos oceanos são os de Rodas de pás.
A clássica visão do vapor do rio Mississipe ou do São Francisco com aquela enorme roda traseira, porém, está longe da realidade.

 

Máquinas do Pirapama

O caturro da embarcação (oscilação no sentido do comprimento) e o balanço (oscilação transversal) acabavam tirando a roda de propulsão da água e quebravam a transmissão. Por isso, os engenheiros foram obrigados a se fixar em um único tipo de projeto: duas rodas de pás no centro da embarcação e, com o giro sincronizado.

Apesar de um modelo de rodas padronizado, as máquinas que as impulsionavam foram sendo modificadas ao longo da evolução mecânica dos vapores e alguns modelos foram fabricados por menos de 30 anos, o que é uma excelente fonte de datação para os naufrágios.
No Brasil existem centenas de vapores localizados, segundo o SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) são pelo menos 64 vapores, dos quais 9 são, comprovadamente, vapores de rodas.
O que pode parecer pouca coisa, na verdade é um belo patrimônio, pois somente nos Grandes Lagos da América do Norte - graças à alta conservação permitida pela água fria - encontramos maior número de representantes.
Além disso, poucas rodas de propulsão resistiram ao tempo e ainda podem ser vistas. No Brasil são pelo menos 4 naufrágios nessa condição, sendo 3 deles nas águas claras do nordeste.

O fundo do mar é um grande museu, nele estão depositados milhares de peças que o homem utilizou na tentativa de vencer as distâncias, algumas sem nenhum outro registro. Identificar esse patrimônio para poder protegê-lo é uma tarefa enorme, que só a união de muitos mergulhadores bem intencionados pode surtir efeito.
No fundo do mar os mergulhadores já aprenderam a nadar, respirar, mas muito ainda falta para enxergar e entender. Estude os naufrágio e você vai descobrir que nunca foram, apenas um ferro velho.
 

 

O que ver nos vapores de rodas mais conhecidos do Brasil.

 

VAPOR DE BAIXO
Este naufrágio localizado na frente do porto de Recife, embora seja o menor dos vapores de rodas no Brasil, apresenta um conjunto de propulsão completo, com caldeiras, máquinas e rodas. As máquinas do tipo Side Lever Engine e ainda mostram a continuidade. Infelizmente ainda não se identificou esse naufrágio, porém o navio foi provavelmente construído até 1850.
Por suas pequenas dimensões, podia tratar-se de um pequeno vapor de cabotagem ou realizava trabalhos como rebocador portuário.
 

 

VAPOR DE BAHIA
O Bahia, afundado ao largo de Ponta das Pedras no litoral pernambucano, e o assunto da coluna na edição passada da Revista Mergulho, era um navio muito maior - cerca de 80 metros - que o vapor de Baixo, porém seu estado já deixa muito a desejar.
Uma das rodas foi destruída pelo impacto com o fundo, quando o navio adernou ligeiramente para boreste. O conjunto de máquinas diagonais e condensadores, está totalmente desmembrado, provavelmente pela ação de algum trabalho de resgate nos destroços.
A proa ainda inteira, é a prova da majestade do navio, mas a popa desmantelada, já não guarda o esplendor da época de sua navegação. Só o cenário, com todos os peixes que freqüentam o local já vale o mergulho.

 

VAPOR DOS 48
Protegido pela profundidade, que dá o nome ao navio, este naufrágio, guarda um dos mais espetaculares conjuntos de máquinas a vapor existentes no Brasil. As máquinas do tipo diagonal estão intactas, com todas as engrenagens ainda ligadas.
Ainda não temos a identificação deste navio, mas os trabalhos estão em andamento e a falta de uma das rodas de propulsão da forte indício de sua identidade.
As águas claras do litoral de Pernambuco tornam o mergulho no Vapor dos 48 um espetáculo à parte. Apesar do maior nível de treinamento exigido devido à profundidade, vale o investimento: grandes peixes, como meros, arraias e cardumes de enxadas ainda tornam o naufrágio mais belo.

 
 

PIRAPAMA
Considerado um dos naufrágios mais bonitos do Brasil o Pirapama é um dos raríssimos vapores de roda com máquinas do tipo Oscilating Engine - fabricadas a partir de 1840, mas que quebravam com tanta freqüência que tiveram uma rápida passagem pela história marítima.
Pelo que é conhecido da história do Pirapama , teria sido desmontado e afundado propositalmente ao largo do litoral. O que explicaria a falta das rodas, caldeiras e outros equipamentos pesados, mas para nossa imensa sorte, o conjunto de máquinas ainda está no local.
Infelizmente a armação do casario de popa, que tão bem ilustrava o navio, vêm caindo sistematicamente nos últimos 20 anos.

CALIFÓRNIA
Embora seja um dos vapores mais freqüentados pelos mergulhadores do litoral brasileiro, o Califórnia ainda guarda muitos mistérios e até mesmo sua real identidade ainda sucita dúvidas. Talvez nunca se possa identificar este navio com precisão, principalmente porque diversas pilhagens foram feitas antes dos mergulhadores recreativos freqüentarem o local e protegerem os destroços. Ao contrário do que muitos pensam, a maioria dos mergulhadores de naufrágios atuais preza pela proteção do patrimônio subaquático e os maus exemplos são cada vez mais raros.
Independente de sua identidade, o Vapor da Praia Vermelha na Ilha Grande, RJ. têm muitos atrativos. O sistema de máquinas do tipo Direct Acting Engine são únicas no Brasil e a caldeira de baixa pressão também não é comum.
As rodas não mais existem, mas as pás de propulsão são encontradas espalhadas dos dois lados do sistema de propulsão.

 

Máquinas do tipo Oscilating Engine
 SALVADOR
Outro naufrágio de identificação duvidosa, este vapor (Salvador) afundado ao largo da praia de Jauá no litoral norte de Salvador, BA. Também é equipado com máquinas Oscilating Engine (ao lado).
Trata-se de um naufrágio de mergulho muito agradável, pois está apoiado num fundo de areia branca, guardando toda a linha da embarcação de proa a popa.
É muito freqüentado por cardumes é pouco pelos mergulhadores, pois é mais difícil de ser atingido; não existem operadoras no local.
Com um pouco de sorte, você poderá conseguir participar de uma das esporádicas viagens que as operadoras de Salvador fazem a este navio.

 

 

Curso de Mergulho em Naufrágios

 

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.

 

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