WAKAMA
Rompendo o bloqueio

Jornal da Amig, ano I, Nº 4, novembro 1997
Texto: Maurício Carvalho
 
Em fevereiro de 1940, a guerra, recém iniciada no velho continente, parecia apenas um eco no Brasil. O país permanecia neutro, amparado pelo tratado da Conferência de Neutralidade do Panamá.
Na era do rádio, a população permanecia com um ouvido no conflito que se alastrava na Europa e outro na Copa Roca de futebol; afinal, os argentinos, adversários perigosos dos gramados, tinham vencido a primeira batalha.
O drama do cargueiro alemão começou no dia 27 de agosto de 1939, quando chegou ao Rio de Janeiro acuado pelo bloqueio comercial imposto pela Inglaterra e França. Aqui ele permaneceu ancorado até a madrugada de 12 de fevereiro de 1940, quando, carregado de produtos vegetais e minerais, partiu numa tentativa desesperada de romper o bloqueio naval. A guerra chegava lentamente às costas do país.
Às 14:27 h daquele dia, foram captados pelas estações telegráficas de Cabo Frio, Arpoador, e por vários navios um único pedido de S.O.S. do Wakama. A posição era de 23º 43' Sul e 042º 38' Oeste; dois navios deslocaram-se para o local. Respondendo ao pedido de socorro o Arriaga Mendel e o Bage chegaram já à noite e não encontraram mais vestígios do cargueiro. Teria o Wakama afundado?
No dia 13 de fevereiro, atracou no Rio de Janeiro o Cruzador HMS Howkins, um dos dois vasos de guerra ingleses que patrulhavam a costa atlântica da América do Sul. A bordo estava o almirante Henry Hardwood que voltava da campanha de afundamento do encouraçado Graf spee no Rio da Prata, Uruguai.
Após forte assédio da imprensa, Sir Hardwood divulgou a versão inglesa dos acontecimento: às 14:00 hs do dia 12 de fevereiro, um dos dois aviões de reconhecimento do cruzador inglês localizou o Wakama. O Howkins intimou o cargueiro a parar máquinas; em seguida, a tripulação do cargueiro abandonou o navio, ateando fogo e pondo-o a pique. Os 10 oficiais e 36 marinheiros foram resgatados pelo cruzador e levados prisioneiros para a Inglaterra.
Relatos de pescadores locais contam que o navio inglês abriu fogo contra o vapor alemão. É certo que em 1940, o Brasil ainda neutro, assim como outros países signatários do Tratado de Neutralidade do Panamá, protestaram veementemente contra este primeiro ato de guerra em águas brasileiras.
A preparação
Era uma madrugada fria em Búzios (RJ.), quando partimos para encontrar o Wakama; o forte vento parecia anunciar uma batalha ainda mais dura, nosso alvo estava a três horas de navegação e 55 metros de profundidade.
Até pouco tempo atrás, estas condições de mergulho seriam uma barreira difícil de transpor com segurança. Ao contrário do nordeste e de mergulhos em cavernas, aqui esperávamos encontrar águas muito turvas e frias, girando a visibilidade e a temperatura em torno de 3 metros e 10 graus Celsius, nessas condições a narcose passa a ser um problema.
Foi pensando nessa oportunidade que rapidamente aceitei o convite de participar da expediçào montada pelo CIMA (Centro de Instrutores de Mergulho Autônomo); além de alguns dos melhores mergulhadores de naufrágio estarem na equipe, a loja colocava a nossa disposição misturas respiratórias como o Nitrox e o Trimix, que permitiriam o mergulho com segurança e conforto.
Não seria um mergulho fácil, mas um alvo como o Wakama nunca o é; que o diga o instrutor Carlos Bertran, que levou mais de 60 saídas de mar para conseguir localizar os destroços, ponto exclusivo de alguns pescadores locais que guardam suas marcas com muito cuidado.
Com as misturas e tempos de mergulho e descompressão calculados no computador, vários dos mergulhadores optaram para o fundo por uma mistura de Trimix com 17% de oxigênio, 19% de hélio e 64% de nitrogênio. Para acelerar a descompressão, utilizou-se um Nitrox 55%. Com este arsenal de cilindros, e mais toda a parafernália do mergulho técnico, chegamos ao local do mergulho no início da manhã, para sermos brindados com um mar calmo, claro e quente. Não havia tempo a perder. O coordenador do projeto, Paulo Dias, rapidamente organizou a montagem do sistema de cabos de descida e descompressão e começou a pesada equipagem. Cada mergulhador estava utilizando pelo menos uma dupla de 120 pés cúbicos, com a mistura de fundo, além de uma garrafa de Nitrox para a descompressão.
Mergulho

Mergulho O mar estava parado, sem ondas e correntes; através da água quente e clara perdia-se de vista o cabo, o que já compensava a noite sem dormir. A descida foi suave e tranqüila até os 40 metros onde uma termóclina de água turva nos aguardava. Ainda assim, a visibilidade de mais de 6 metros estava acima de nossas espectativas.
Finalmente aos 48 metros chegamos ao Wakama. O cabo de descida estava fixado no casco, junto ao porão da proa, alguns metros à frente do mastro caído sobre o convés. Nesta posição podíamos perceber bem a ruptura do casco e cavername, provável efeito dos trabalhos de resgate de parte da carga realizados três décadas antes.
Descendo pelo casco encontrávamos o fundo lodoso aos 52 metros. O navio parece estar posicionado corretamente no fundo e grande quantidade de gorgônias vermelhas colonizam os destroços pelo lado de fora, contrastanto, sob as fortes lanternas, com o marrom escuro do metal enferrujado.
Fixado o cabo da carretilha junto ao cabo de descida Paulo dias, Célio Durães e eu começamos a explorar os destroços junto ao fundo do porão; garrafas, pratos e outros utensílios iam aparecendo por entre os destroços. Subindo para o nível do convés avistava-se um cachimbo de ventilação e o enorme mastro, caído. Uma grande quantidade de entradas na parte interna do naufrágio permitem projetar um trabalho longo e complexo para a completa exploração dos mais de cem metros do cargueiro. Neste primeiro mergulho não conseguimos atingir a popa, que, segundo as informações do Carlos Beltram, está inteira e ligeiramente adernada.
O pouco tempo disponível de fundo (planejamento máximo de 25 minutos), não permitiam uma exploração completa e lamentavelmente logo já estávamos a caminho dos 30 metros, início de uma longa descompressão.
As outras equipes começavam a descida, e ao cruzar conosco na descompressão, podiam perceber em nossos olhos o fantástico mergulho que estava por vir.
Semanas de preparação, um custo mínimo de R$ 300,00 entre misturas respiratórias, embarcação e estadia, para um mergulho de 25 minutos e mais de 1 hora de descompressão, será que vale a pena. Com certeza esta foi uma das perguntas feitas por vários dos mergulhadores que participaram da reunião preparatória, onde os responsáveis pela organização explicaram os procedimentos que seriam adotados.
Nem a certeza do mergulho existia; então por que tanto esforço? A resposta é simples: além de resgatar uma úmida lembrança dos tempos da guerra, que a maioria pensa ter ocorrido muito longe do Brasil, mergulhos como o do Wakama, que quebram bloqueios como o mergulho profundo e o uso de misturas como o Trimix para mergulhadores amadores, abrem uma grande oportunidade para a exploração de novos naufrágios em nosso litoral, que até então estavam abandonados pela barreira da narcose.
Parabéns a toda a equipe do CIMA, que, com muita força de vontade e competência, soube isolar as críticas destrutivas, abrindo a oportunidade para os fanáticos mergulhadores de naufrágio conhecerem o famoso Wakama.
O mergulho em naufrágio é uma especialidade técnica que exige dedicação de especialista, no entanto seu retorno em emoção e satisfação é garantido, assim, aperfeiçoe-se e venha desfrutar desta emocionante atividade.

 
 
Ficha Técnica
Dados Técnicos
Dados do Naufrágio
Nome do Navio: Wakama
Data do Afundamento: 12.02.1940
Localização: a 18 milhas de Cabo Frio (Rio de Janeiro);
(posição Latitude 22º 35' S e Longitude 041º 39' W).
Profundidade: de 38 a 55 metros.
Condições Atuais: semi-inteiro.
Nacionalidade: alemã.
Ano de Fabricação: 1921.
Tipo de Navio: cargueiro.
Comprimento: 112 metros.
Boca: 15.3 metros.
Deslocamento: 3.771 Toneladas.
Carga Declarada: Quartzo, Níquel, linhaça, café, feijão, algodão, fumo e borracha.
  
 

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