Destino: naufrágio
Vapor das Crioulas
NOVO VAPOR DE RODAS NO LITORAL DE NITERÓI - RJ.


 
Revista Mergulho, Ano XV - Nº 185 - dezembro/2011
Texto: Sebastião Mariani (Mineiro), André Domingues e Maurício Carvalho
 
O sonho de descobrir um naufrágio é realizado por poucos.
No Rio de Janeiro existem vários relatos de naufrágios não identificados e não encontrados. Ainda. Na insistente busca de localizar e identificar naufrágios desconhecidos, no dia 12 de novembro de 2011 foi finalmente localizado mais um.
A escola
Diving Club e uma equipe de mergulhadores organizados por André Domingues e Eduardo Davidovich (DOC) encontrou um naufrágio muito antigo no litoral fluminense; talvez um dos mais importantes da capital. O primeiro mergulho indicou ser um vapor de rodas laterais.
Vapores de rodas laterais são anteriores ao desenvolvimento da hélice naval, datando o navio encontrado, provavelmente da metade do século 19.
"Quando imaginamos um naufrágio, que sempre nos desperta a imaginação, a primeira coisa em que pensamos é um baú cheio de moedas", diz Sebastião Mariani, instrutor da escola Diving Club, também conhecido como Mineiro.
"Após acordar bem cedo e juntar todos os equipamentos - roupas, cilindros, reguladores, cintos de lastro, lanternas, carretilhas e outros apetrechos - fomos pro píer. Sempre é um embarque alegre, cheio de esperanças, pois um mergulho nunca é igual a outro." Conta Mineiro. "A embarcação utilizada já tem o nome sugestivo, SEGREDOS DO MAR. No comando do barco foi Betinho, com mais de 30 anos de experiência."
 
A BUSCA
Diferentes grupos de mergulhadores buscaram este naufrágio algumas vezes sem sucesso. Pelo menos três fontes distintas possuíam a marca desse local de pesca, potencialmente um navio afundado. Após negociação com essas fontes, experientes pescadores da região, suas localizações foram liberadas para um mergulho exploratório.
A escola DIVING CLUB conseguiu duas dessas diferentes fontes e viabilizou as expedições de caça ao naufrágio.

A DESCOBERTA
A segunda tentativa foi um tiro certeiro, assim que a embarcação passou por cima da marca fornecida, o contato, com o que poderia ser o naufrágio, foi estabelecido no sonar controlado pelo Fabio Conti. A boia foi lançada imediatamente para posicionar o local de descida.
Durante este mergulho exploratório, foi possível reconhecer o tipo de máquinas. Tratava-se de um vapor de rodas, facilmente identificado, devido à simetria dos eixos opostos com uma espécie de "carretel" em suas extremidades.

Foto Maurício Avila

TENTANDO UMA IDENTIFICAÇÃO
Maurício Carvalho
Aqui começa minha participação nessa nova descoberta. André Domingues me ligou dando a ótima notícia, que ficava cada vez melhor. A equipe de mergulhadores e o Diving Club me convidavam para participar do próximo mergulho no novo naufrágio na tentativa de identificá-lo.
Muitas vezes participo de pesquisa com outras equipes, mas um convite extremamente cortês como esse sempre me deixa muito feliz. Vários pesquisadores brasileiros de naufrágios, falam entre si e frequentemente se ajudam, pois basta algum tempo de pesquisa para descobrir que nosso litoral é grande demais e com naufrágios demais para um só grupo de pesquisa.

 
Cilindros oscilantes Cilindros oscilantes Cubo da roda de pás Cubo da roda de pás saída da chaminé Caldeiras Cobertura das caldeiras Válvula de admissão do vapor
 
Aceitei o convite de imediato e logo nas primeiras conversar, descobrimos que a equipe havia descoberto o naufrágio que a cerca de cinco anos eu e alguns amigos procuramos sem sucesso.
Comparadas as marcações, minha posição estava a cerca de 80 metros do local da descoberta... talvez se tivéssemos procurado um pouco mais no passado!... Mas não havia motivo para tristeza. Mergulhadores dedicados haviam obtido sucesso e mais um naufrágio estaria à disposição dos apaixonados. Um grande exemplo a ser seguido.
Deixamos o porto do Rio numa fria manhã de novembro por incrível que pareça. O destino, um ponto ao largo da praia de Maricá ao norte da cidade do Rio de Janeiro. Ao chegarmos ao local André e Doc utilizando rebreathers desceram primeiro. A grande autonomia desses equipamentos é um grande aliado para as pesquisas de naufrágio. Logo depois, me lançava a água, era minha vez de conhecer a descoberta, os outros mergulhadores aguardaram pacientemente no barco para evitar suspensão e facilitar meu trabalho, mais um grande exemplo de companheirismo.
 

O VAPOR DAS CRIOULAS
O raro navio que está no fundo era um vapor de rodas com máquinas do tipo Oscilating Engine.
No início da navegação a vapor, as máquinas primitivas causavam grande trepidação no navio, o que provocava mal estar nos navegantes e defeitos frequentes no maquinário. Na tentativa de acabar com o problema, a partir de 1830 os engenheiros começaram a instalar nos navios dois grandes cilindros que oscilavam suspensos sobre a quilha do navio, enquanto seus pistões faziam mover um eixo excêntrico que transmitia o movimento à roda de pás. Infelizmente pelo grande esforço esse mecanismo quebrava com facilidade, o que provocou sua aposentadoria precoce. Por sermos uma nação pobre no século 19, essas embarcações, em final de carreira, vieram navegar e afundar por aqui.
As máquinas que estão assentadas a 30 metros, possuem dois cilindros principais de cerca de 1,5 metros de diâmetro, montados em uma estrutura de cerca de 7 metros de largura por 2 de altura. O navio deveria ter cerca de 8 metros de boca. No fundo, restou o sistema de cilindros, ainda muito completo, e o grande eixo acima deles. Ele se estende por 11,5 metros terminando nas duas extremidades nos cubos de roda, estruturas de cerca de 1,5 metros, que fixavam as rodas de pás, das quais infelizmente pouco restou.
Na frente desse conjunto estão as caldeiras. Elas ainda possuem a cobertura e coletores de fumaça, o que faz com que esse naufrágio se torne ainda mais especial, já que o único, com essa configuração, que tínhamos em nosso litoral era o Orion em Bombinhas, SC. Essa cobertura se parece com um grande cubo e afina na parte superior onde ficava a saída para a chaminé. Ao lado das caldeiras uma âncora antiga, mas pequena para um navio desse porte, está fincada no lodo.

AS PESQUISAS
Em volta do conjunto, restam poucas estruturas, algumas de madeira com chapas de latão, que eram utilizadas no casco para protegê-lo da ação dos vermes marinhos. Toda a parte inferior do casco e da quilha estão enterradas no lodo.
A competente equipe de "rebreatheiros" executou buscas em volta do conjunto, mas muito pouco foi encontrado. Com certeza, as máquinas e caldeiras não caíram de um navio mantendo sua configuração original. Mas o navio estaria inteiro? Partes do casco ainda podem ser vistos.
Ele poderia ser um navio descartado? mas porquê estaria tão longe da entrada da Baía de Guanabara?
A região é rota de redes de arrasto, o que poderia explicar parcialmente sua destruição. Onde estará a verdade?
Segundo os dados do SINAU (Sistema de Informação de Naufrágios) somente 8 vapores de rodas não localizados, estariam naufragados no Rio de Janeiro. Agora começamos uma nova aventura, buscar dados que permitam identificar essa bela descoberta e responder a tantas perguntas.
Descobertas como essa são muito importantes para nossa comunidade, principalmente quando a equipe decide disponibilizar a posição do naufrágio como nesse caso.
Interpretando o que disse muito bem o Mineiro. "o naufrágio é um baú cheio...", cheio de mistérios. Reúna seus amigos, desligue um pouco seu computador, tire o neoprene do armário e vá buscar seu mistério.


Agradecimentos

Escola Diving Club e aos amigos André Domingues e Eduardo Davidovich (DOC) que confiaram suas preciosas informações a mim.

  Diving Club Rua: Lopes Trovão 134, lj. 250 - Icaraí, Niterói (RJ).
Telefone: (21) 2704-9224
www.divingclub.esp.br

 

OUTRAS INFORMAÇÕES

Vapor das Crioulas - História Completa.
Circulando com a História (Revista Mergulho Nº 148 - novembro/2008)


 
 

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.

 

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