Destino:
naufrágio |
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Revista Mergulho,
Ano XIII - Nº 161 - dezembro/2009
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Texto
Maurício Carvalho
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Em João
Pessoa, PB,repousa um dos mais belos naufrágios do Brasil. Afundado
em 1873 |
Muitos naufrágios
pelo mundo têm assinatura própria e algumas de suas peças
são reconhecidas pelos mergulhadores de naufrágio no primeiro
olhar, quase como uma impressão digital. Isso ocorre porque em poucas ocasiões algumas indústrias seguem padrões de montagem na construção de navios e acabam repetindo o mesmo projeto em série. |
Durante a Segunda Grande Guerra, a necessidade urgente de novos navios,
devido aos afundamentos provocados pelos U-boats, obrigou os aliados a lançarem
os famosos Liberty Ships, navios de construção em série,
que eram construídos e colocados para navegar em apenas duas semanas.
Cerca de 2 700 dessas embarcações foram construídas
entre 1941 e 1945. No entanto, este padrão está longe da realidade da construção naval e, por mais que sejam semelhantes, mesmo os Sister Ships (navios que apresentam o mesmo projeto) incorporaram melhorias e alterações de projeto de uma versão para outra. Com características tão peculiares, é fácil entender porque mergulhadores que vão ao naufrágio Buenos Aires (1890) adoram |
tocar o hélice. Seria como mergulhar no Thistlegorn (Mar Vermelho) e não ver as motocicletas ou no Bahia e não passar pela roda de propulsão. Sem tais experiências, não valeria a pena nem registrar o mergulho no log book. |
Talvez
a assinatura mais marcante de um naufrágio no Brasil seja as quatro
caldeiras quadradas do Erie. Conhecido popularmente como Queimado, é
um dos mais belos naufrágios de nossas águas. As mais antigas caldeiras navais eram chamadas de flamotubulares. Nelas, a queima do carvão produzia vapor em alta pressão introduzido nas máquinas. Com a metalurgia ainda muito falha do início do século XIX, as quinas de metal com costuras rebitadas eram particularmente fadadas a vazamentos e rupturas. Para evitar esse desagradável fato, a maioria dos fabricantes utilizava o modelo cilíndrico. A variedade quadrada passou a ser uma raridade e encontrálas em um naufrágio é ainda mais difícil. |
No Brasil, somente o Queimado PB, o Moreno RJ e o Salinas Parcel Manoel Luís, apresentam a variedade quadrada. No exterior, só conheço dois exemplos nos Grandes Lagos. |
O
QUEIMADO Marca registrada é outra coisa... O Erie possui quatro enormes caldeiras quadradas, o que seria sufuciente para um mergulho de conferência, mas o Queimado ainda tem muito mais... O Erie J. N. Y. foi construído para resistir às difíceis condições de navegação pelo Atlântico Norte. Com forma esguia, proa reforçada e cavername da melhor madeira, seus 103 metros de comprimento foram armados com três mastros e máquinas a vapor auxiliares. O hélice característico é um dos mais primitivos do Brasil. O vapor foi entregue a American SS Co. em 1867 e, depois de outros donos, passou a U.S. & Brazil Mail SS Co. em 1871, realizando a ligação entre o Brasil e os Estado Unidos. |
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Em
sua segunda viagem nesta rota, embarcou uma carga de café em Santos
no dia 7 de dezembro de 1872, escalou no Rio de Janeiro, Salvador e Recife,
iniciando a etapa que o levaria ao Caribe e depois finalmente aos Estados
Unidos. No início da noite, passando a cerca de 12 milhas ao largo de João Pessoa (PB), irrompeu um forte incêndio a bordo. As labaredas podiam ser vistas da praia de Tambaú e com a parada da embarcação, diversos pescadores dirigiram-se ao local em suas jangadas encontrando o vapor totalmente envolto em chamas. O fogo incontrolável obrigou o comandante E. L. Tenk. a dar ordem de abandonar o navio. Os oito escaleres foram lançados na água e as 81 pessoas, entre tripulação e alguns passageiros, foram postos a salvo. Às duas horas da manhã do dia 2 de janeiro de 1873, o Eire abandonava a superfície e passava a história como o vapor Queimado. |
DESCRIÇÃO Mais do que as quatro caldeiras quadradas, o Queimado apresenta um belo conjunto de estruturas, com uma fauna variada e surpreendente que inclui: barracudas, lambarús, xaréus, tartarugas e lógico muitas, muitas Xiras, que chegam a atrapalhar a visualização dos destroços. O naufrágio, que se estende por cerca de 100 metros de comprimento por 15 de largura, está desmantelado e parcialmente enterrado. Na proa, existem dois guinchos, uma âncora reserva e dois cabeços de amarração. |
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Um espaço
vazio de cerca de 20 metros, onde estava o primeiro porão, separa
o primeiro conjunto das quatro grandes caldeiras quadradas. Entre elas,
uma passagem parcialmente obstruída com carvão. As caldeiras
parecem estar apoiadas em uma base de pedras formada pelo lastro. No seguimento,
estão as máquinas a vapor de dois cilindros. Na direção da popa, um longo eixo com cerca de 20 metros com segmentos unidos por flanges, indica o local do porão de popa. Poucas peças, casco e partes das chapas de bronze que revestiam o casco de madeira, restaram do incêndio. No final do eixo, está o hélice de quatro finas pás um formato incomum com duas delas enterradas. Detalhes são importantes quando tratamos de naufrágios. Isso significa que cada navio é único. Por isso, nada de recusar-se a mergulhar em um dos rebocadores de Recife porque já esteve no outro que é igual. Molhe seu neoprene e vá buscar as diferenças. Estude cada naufrágio com antecedência, mergulhe primeiramente na sua história e aumente o prazer de cada descoberta. Seu tempo de fundo aumentará para uma semana e sem necessidade de descompressão. |
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Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil. |
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