Destino: naufrágio
Oriente-se
Ponha rumo em seu naufrágio


Revista Mergulho, Ano XIII - Nº 173 - Janeiro/2011
Texto Maurício Carvalho
 
Qualquer mergulhador sabe que a orientação durante um mergulho é fundamental. Desde o curso básico, já somos treinados a controlar o percurso e quantidade de ar, para encerrar o mergulho junto à embarcação. Principalmente em mergulhos em alto mar, sob correnteza e junto a costões muito recostados, chegar ao ponto determinado para o final do mergulho é condição básica para evitar minutos, que parecem horas, a espera do barco que ira "resgatá-lo".

Avaliando-se os incidentes que ocorrem em naufrágios, identificamos três causas principais:
Acidentes com a carga. Normalmente envolvem a tentativa de recuperação.
Esgotamentos do suprimento de gás. Podem ser causados por defeitos no equipamento, ou por erros de planejamento da autonomia. São muito graves, já que alguns naufrágios apresentam um teto que impede a subida livre.
Incapacidade de retornar ao exterior do naufrágio. Esse problema está geralmente associado a pontos de estreitamento, enrosco ou a perda da orientação, quer causada pelo sedimento que turva a água, quer pelos caminhos do naufrágio.

Os mergulhadores que desejam incursões por naufrágios devem ter a orientação como um dos requisitos básicos de segurança. Das três técnicas de orientação, duas são fortemente recomendadas.

USO DE BÚSSOLA
As bússolas funcionam mal em naufrágios com grande quantidade de material ferroso, por isso, os mergulhadores de naufrágio devem ser especialistas em outros tipos de navegação.

USO DE CARRETILHA
São uma das ferramentas básicas dos mergulhadores dessa especialidade. Elas permitem a penetração e o retorno ao exterior em segurança. Também são utilizadas para localizar partes afastadas do conjunto dos destroços. O navio pode estar parcialmente enterrado, como no caso do Cavo Artemidi em Salvador, ou partido e suas seções separadas durante o naufrágio, como o Bellucia em Guarapari.
Os mergulhadores que optarem por esse tipo de orientação, devem participar de treinamentos especializados.

USO DO DISPLAY DO NAUFRÁGIO

Na grande maioria dos naufrágios do Brasil as peças estão espalhadas pelo fundo. Isso obriga os mergulhadores a utilizarem a ferramenta de orientação pelo display do naufrágio. Navios apresentam uma estrutura semelhante, pré-definida e dedutível, por isso, com um pouco de conhecimento da engenharia podemos planejar o percurso antes até do início do mergulho. Infelizmente nem todos os naufrágios possuem croquis e principalmente atualizados que forneçam essa orientação prévia.
Tal técnica depende do mergulhador ser capaz de reconhecer as principais peças de um naufrágio. Embora isso exija treinamento específico, que apresente os mergulhadores às peças, seu posicionamento no navio, conhecimento da estrutura e principais eventos do naufrágio. O resultado na orientação do mergulhador é fantástico. Podemos literalmente ler no fundo a história dos destroços.

 
USO DA ORIENTAÇÃO
Apesar de poder contar com uma série de métodos e pontos de orientação em um naufrágio, se perder nessas estruturas é mais fácil do que pode parecer. O ambiente de um naufrágio é caótico e favorece a desorientação.

NAUFRÁGIOS ENTERRADOS
Nesses destroços, como poucas peças emergem da areia muitas vezes não visualizamos uma peça da posição de outra. Para que a navegação não seja aleatória, é fundamentalmente o uso da carretilha.
Fixe a carretilha a primeira peça localizada e, esticando o cabo siga em uma direção determinada. Não localizando outras peças, inicie o procedimento em outra direção. Utilize os raios da circunferência. Isso permitirá que você crie um mapa das peças com um referencial de uma peça em relação ao ponto original e consequentemente em relação às outras.

 
Não navegue utilizando a carretilha como em uma
busca circular, pois você não será capaz de determinar a posição de uma peça em relação ao ponto original.
 

 

NAUFRÁGIOS DESMANTELADOS
Ao longo do tempo o naufrágio passa por diversas etapas de inteiro a enterrado. Cada uma das partes da estrutura colapsa e altera sua posição e orientação. Esse processo não é aleatório, muito pelo contrário, ele segue a etapas bem conhecidas, porém se o mergulhador não domina esse conhecimento os destroços irão parecer uma grande confusão de ferros e de difícil orientação.
Aprenda a orientar-se pelo display dos destroços.

NAUFRÁGIOS SEMI-INTEIROS
São os de mais difícil orientação, pois durante o processo de desmontagem muitas alterações significativas da posição das estruturas podem ocorrer. É comum, compartimentos inteiros

    estarem de cabeça para baixo, de lado ou colapsados,

o que significa dizer que suas paredes estarão anguladadas em relação à posição original. Todas essas mudanças podem deixar um mergulhador menos treinado totalmente confuso depois de alguns metros de passagem.

NAUFRÁGIOS INTEIROS
A falta de luz é o fator mais agravante da desorientação. Por isso, recomenda-se duas ou mais lanternas (redundância). As carretilhas devem ser utilizadas, mas isso, não deve fazer com que o mergulhador não memorize o caminho por onde passa (penetração progressiva). Lembre-se que cabos podem ser cortados por movimentos mais abruptos, uma amarração indevida ou mesmo outros mergulhadores que passam pelo local sem o devido cuidado.
Na penetração progressiva o mergulhador memoriza as peças e estruturas pelas quais ele passa. É fundamental conferir a aparência da peça no ângulo que ela será vista no percurso de volta. Uma pequena olhada para trás resolve facilmente esse problema.
A penetração progressiva não substitui o uso da carretilha, mas complementa a segurança.
Caso a visibilidade diminua devido ao sedimento. Pare, respire e pense no que está acontecendo. Em alguns locais, alguns minutos de tranquilidade já permitem que a água clareie. Porém, principalmente no sudeste, o sedimento fino no interior dos destroços, demora muito a dispersar.
Não confie totalmente nos seus olhos. Peças podem estar anguladas e até os peixes podem nadar de cabeça para baixo dentro de destroços.

A pouca luz também diminui nossa percepção de profundidade de campo e mesmo dimensão. Deve-se tomar cuidado para calcular corretamente o tamanho das passagens, evitando-se ficar preso em algum estreitamento.
A luz não faz curva, mas ainda assim pode enganar um mergulhador já desorientado. Muitas vezes a luz reflete no fundo de areia penetrando fortemente por uma abertura na parte inferior dos destroços. Para quem está totalmente no escuro, pode ser o suficiente para causar problemas. Acidentes assim já aconteceram.
Na dúvida , use a velha técnica de seguir as bolhas. Se suas bolhas estiverem indo para o lado, não pense que bolhas são confusas!! Pare, respire e aguarde "até que elas resolvam seguir para cima".

 

Perceba que o Ciliaris e o Tricolor nadam em
posição invertida em relação ao Mero
 
Durante o século 19 um dos mais famosos exploradores da África David Livingstone, foi questionado se durante suas expediçãoes, que chegaram a durar anos, já havia ficado perdido. Segundo ele, "perdido nunca, mas por vezes passou meses sem saber onde estava!" estar perdido não é uma realidade é um estado de espírito.
Orientação é uma qualidade necessária a todos os envolvidos em esportes de aventura, seja em espeleológia, treeking em florestas, montanhismo ou mergulho. Saber para que direção se vai e, como se volta, são questões básicas. Onde se está em um determinado momento é parte da exploração e o que faz o sangue correr mais rápido. Assim, oriente-se, sorte na exploração e bom retorno, em naufrágios, se não retornarmos à superfície para contar o que vimos, não vale a pena.
 

 

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.

 

voltar a biblioteca