Destino: naufrágio

Cargas Perigosas

Naufrágios como o Camaquã, que ainda tem explosivos ativos,
exigem ainda mais atenção do mergulhador


 
Revista Mergulho, Ano XI Nº 136 - Novembro/2007
Texto: Maurício Carvalho
 


Em 1942 o Brasil foi abruptamente jogado na Segunda Guerra Mundial pelos inesperados torpedeamentos de navios brasileiros em nossas águas territoriais - o que, até então, só havia acontecido com as embarcações de países envolvidos no conflito. Era só o começo. No final da guerra, mais de 53 embarcações brasileiras e estrangeiras seriam postas a pique no nosso litoral.
O Brasil eminentemente agrícola, mas alinhado com bloco Panamericano, pedia insistentemente aos Estados Unidos meios para proteger nossa região. Porém, a urgência norte-americana em abastecer suas próprias necessidades impedia os americanos de fornecer material para áreas menos estratégicas.
Nesse cenário de urgência e penúria, a Marinha do Brasil decidiu adaptar rapidamente alguns de seus navios-mineiros para patrulhamento e proteção dos comboios que circulavam em nosso litoral e estavam à mercê dos submarinos do eixo. As Corvetas da Classe Carioca, incorporadas em 1940 à esquadra brasileira, já em 1942 passaram por rápidas reformas no Arsenal de Marinha. Foram retirados os trilhos de minas e instalados sonar, estação telegráfica, calhas e morteiros em Y para cargas de profundidade.
E assim, que o pequeno navio Camaquã e a valente tripulação entraram no conflito e definitivamente para a história Trágico Marítima do Brasil.

O Naufrágio

Em 1944, a guerra já esfriava no Atlântico, com a Marinha Alemã isolada e encurralada pelos aliados em torno da Europa; os tempos bons para os U-boats alemães haviam terminado - eles eram sistematicamente afundados. No dia 21 de julho a Camaquã terminava mais um comboio no limite de sua restrita autonomia, o que a deixava, com pouco carvão, água e perigosamente leve. O mar estava agitado e uma sucessão de três ondas acabaram por virar o navio (cabe lembrar que as corvetas da classe C, eram conhecidas na Marinha como "Classe Cambalhota", devido a sua já conhecida instabilidade). Um dos tripulantes, antes de ser jogado ao mar, descreveu ter visto o comandante da Camaquã; Gastão Montinho ser lançado ao interior da cabine de comando. Após emborcar, o navio afundou em 20 minutos.
Os náufragos permaneceram agarrados à quilha virada para cima, foram resgatados pelos rebocadores Graúna e Jutaí. O comandante da Camaquã seguiu para o fundo com seu navio.

O Mergulho

Apoiada sobre boreste a 57 metros de profundidade a Camaquã está em ótimas condições. Uma das características que faz desse navio único no Brasil é o fato de ter afundado durante uma patrulha em tempos de guerra, o que justifica a existência a bordo de grande quantidade de munição e explosivos a bordo.
Na proa, à frente da cabine de comando destruída, estão uma metralhadora e o canhão, parcialmente envolvido por redes e possivelmente com seus paióis de munição ainda intactos. No centro da embarcação, a parte tranqüila dos destroços. Pelo bordo, existe um corredor sempre lotado de peixes e muitas peças ainda presas no convés. Algumas aberturas ligam o exterior à sala de máquinas e outros compartimentos.
Na popa, caído na areia ao lado do convés, está a maior dor de cabeça deste naufrágio. Existem cerca de 20 cargas de profundidades MARK 1 de 300 Libras, muitas ainda com os tubos de lançamento e várias ainda encaixadas nos suas calhas de lançamento.



O Risco de Explosão

Por todo o Brasil encontramos naufrágios onde existem munições. Embora o comportamento desejado para o mergulhador seja de manter uma postura contemplativa, muitos adoram essas relíquias e só manipulá-las já os leva de volta ao tempo em que impunham a força pelo peso do chumbo. Balas esféricas de canhão e mosquete podem ser manipuladas com razoável segurança. Porém, quando encontramos balas ogivais (munição ainda presa a um cartucho), ou como no caso da Camaquã, cargas de profundidade a história muda completamente de figura. O risco de ignição desses explosivos é real. Há registros recentes de munição de rifles da Segunda Guerra Mundial, minas e até de um torpedo, mesmo após décadas no fundo, explodirem após manipulação inadequada.
 


Diferentes balas
encontradas em naufrágios

 

Carga de profundidade da Camaquã quebrada, expondo o sistema de disparo e explosivo
 O dados técnicos indicam que as minas da Camaquã utilizavam dinamite e, como era o final da guerra talvez outro explosivo mais poderoso. Todos os tipos utilizados permanecem estáveis mesmo após muitos anos submersos e expostos a águas.
Na prática, significa dizer que uma manipulação errada poderá causar graves acidentes com os mergulhadores. Pelo menos uma das cargas de profundidade da Camaquã está totalmente aberta e parte de seu explosivo e do sistema de disparo (Pressostato), estão expostos.
As munições não são as únicas cargas perigosas contra as quais os mergulhadores devem se precaver. Em um bom curso de Mergulho em Naufrágio, você terá a oportunidade de conhecer mais detalhes. Certos motores marítimos são ativados com sistemas de ar comprimido e por isso, cilindros de aço podem estar pressurizados no fundo a espera de uma fadiga no material, que certamente vira com a oxidação do metal.
 
Esses cilindros podem ser vistos facilmente no Cavo Artemidi, BA. e Rosalinda, Abrolhos. Além disso, naufrágios como o Navio do Gás (Igel) em Porto de Galinhas, PE., receberam seu nome da perigosa carga, que hoje ainda vaza lentamente dentro de seu porão e se acumula no teto do naufrágio.
O mergulhador de naufrágio além de cuidadoso com a estabilidade das estruturas, deve ser um observador atento e identificar todos esses artefatos potencialmente perigosos.
 

Curso de Mergulho em Naufrágios

 

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.

 
Veja mais em: Naufrágio Camaquã
 

voltar a biblioteca