Destino: naufrágio

Sem Exagero
Tornar-se um especialista em naufrágios tem menos a ver com mergulho técnico
do que querem fazer crer.

 
Revista Mergulho, Ano XI Nº 132
Texto: Maurício Carvalho
 

O Mergulho em Naufrágio, assim como todas as modalidades que enfrentaram o crescimento do Mergulho Técnico, mudou muito nos últimos anos. De repente tornou-se mais importante manter-se em equilíbrio perfeito, possuir o equipamento padrão e parecer muito competente do que se divertir e deixar no fundo muitos dos problemas do dia a dia que tanto nos tiram o fôlego. O mergulho acabou virando fonte de mais uma tensão, competição e inimizades.
Ao longo dos últimos anos vi os mergulhadores de naufrágios abandonarem os princípios mais importantes de treinamento que sempre os caracterizou, por um rigor técnico além do razoável. Toda essa transformação nos obriga a perguntar: O que é realmente um Mergulhador de Naufrágio?

No Brasil existem cerca de 2100 registros de naufrágios (Dados do SINAU - Sistema de Informação de Naufrágios), dos quais 350 estão localizados. A grande maioria desses destroços está em águas rasas, que não exigem técnicas de mergulho profundo ou misturas gasosas de alto custo. Além disso, apenas cerca de 40 possuem classificação de inteiro - o que permitiria uma penetração - sendo a maioria deles, navios pequenos do tipo rebocador que oferecem percursos de penetração menores que 12 metros.

O resultado dessa rápida análise, é que sobraram aproximadamente 200 incríveis naufrágios desmantelados com grande quantidade de vida e lindas peças, na maioria do século XIX. Eles formam cenários inesquecíveis para os mergulhadores que saibam visualizar e entender o que o naufrágio tem a oferecer e com pouquíssimo grau de dificuldade. Esses naufrágios, na verdade tem muito pouco a oferecer aos "Mergulhadores Técnicos".

Não é difícil perceber pelos números, que o que torna mergulhadores especialistas em naufrágio não é a capacidade técnica ou os equipamentos sofisticados, mas a simples curtição de um cenário arqueológico acrescido dos organismos marinhos; qualquer mergulhador pode ser um mergulhador de naufrágio, desde que goste desse cenário.
Por tudo isso cabe avaliar se o treinamento de muitos mergulhadores de naufrágio está sendo feito da maneira adequada. São tantas preocupações com carretilhas, lanternas e cilindros de alta capacidade que são esquecidos conceitos fundamentais como conhecimento das peças dos naufrágios e orientação subaquática nos destroços.

 
O Treinamento, sem mistérios

AO SE TORNAR UM ESPECIALISTA em naufrágios não estará obrigado a mergulhar apenas em condições difíceis, com águas profundas, escuras ou em naufrágios labirínticos. Você poderá continuar a mergulhar nos mesmos navios que já vêm mergulhando nos últimos anos para curtir seus peixinhos coloridos. Pois afinal de contas, local de ver peixinhos e no fundo do mar e não em um aquário e ainda acrescentar a isso, todas as peças que um naufrágio tem a oferecer.
Tornar-se um mergulhador de naufrágios não deve alterar o prazer que você sente em mergulhar em locais rasos, claros e quentes. Esteja certo que o instrutor escolhido por você não tem o super homem como modelo de mergulhador e que seu treinamento visa antes de tudo prepará-lo para identificar em seus mergulhos os aspectos relevantes dos naufrágios visitados.
Se o instrutor preocupa-se apenas com uma postura estática e robotizada que impede o mergulhador até de dobrar-se um pouco ou mesmo tocar o fundo para visualizar uma raríssima peça, que nenhum museu do mundo pode apresentar, alguma coisa está errada.
 
 

UM BOM TREINAMENTO só pode ser conduzido de maneira satisfatória por profissionais que possuam experiência no cenário de naufrágios. Especialistas em todas as modalidades são na verdade generalistas e isso leva a máxima de que

"Quem não sabe o que ensinar, ensina o que sabe".

Quando em 1983 começamos a mergulhar em cavernas, não havia técnicas desenvolvidas e usávamos o conhecimento de mar aberto, cometíamos um erro atrás do outro. Hoje o problema se inverteu, muitos instrutores impulsionados pelo fechamento das cavernas migraram para os naufrágios como por mágica, acabando por aplicar técnicas de caverna em naufrágio como se o fato de uma minoria de naufrágios possuírem teto tornasse as duas técnicas iguais, puro desconhecimento.
Informe-se sobre a experiência de seu instrutor especialista, garantindo que vai adquirir os conhecimentos necessários e específicos.

NENHUM TREINAMENTO TÉCNICO em naufrágios, visando penetrações ou explorações em águas mais profundas ou escuras, pode começar, sem que o mergulhador domine o cenário no qual estará envolvido. Um mergulhador de naufrágio, antes de tudo, precisa reconhecer através das peças do navio e de sua disposição no fundo, em que área dos destroços se encontra e qual o estado de conservação da embarcação.
Somente desta forma poderá ter a segurança para se orientar pelo fundo em um ambiente onde bússolas não funcionam bem e os cabos de carretilha são cortados com facilidade. Achar que somente estes dois métodos são suficientes para a segurança é desconhecer o ambiente de um naufrágio.
Outro grande equívoco é treinar um mergulhador para penetrações sem que ele seja capaz de avaliar a estabilidade dos destroços.
Cavernas são ambientes sólidos e caso uma desabe sobre o mergulhador, o que é muito pouco provável, deveríamos pensar em pura fatalidade. No entanto naufrágios estão constantemente mudando sua configuração e partes desabam com regularidade. Não saber analisar este risco é colocar os futuros mergulhadores em risco direto.

PESQUISA E PLANEJAMENTO do mergulho também devem estar presentes no treinamento, já que em naufrágios eles são fatores fundamentais. Ao levantar o tipo de embarcação e acidente sofrido o mergulhador consegue antecipar o cenário que encontrará no fundo e isso fará toda a diferença entre um mergulho as cegas, entre peças sem muito sentido e destroços lógicos e um mergulho totalmente orientado.
Uma das grandes vantagens da atividade em naufrágios está em obter prazer muito além do tempo de fundo. São horas curtindo a história dos navios e de tudo que envolveu o acidente. Um bom treinamento deveria incluir noções sobre a pesquisa dos naufrágios, permitindo aos mergulhadores navegaram por essa incrível experiência.

Não é difícil perceber que um especialista em naufrágios não pode ser feito em horas, muito menos um instrutor especialista. Procure profissionais competentes e experientes na área em que você deseja atuar, ter mergulhado 50 vezes no mesmo naufrágio não torna o mergulhador um conhecedor de assunto tão vasto.

Por outro lado não é uma declaração ao abandono da técnica de mergulho, muito pelo contrário. Devido a fatores como metal enferrujado, peças soltas e áreas instáveis, naufrágios podem ser, ambientes mais complexos do que outros cenários, embora isso não seja uma regra. Deste modo, mesmo sendo mergulhos fáceis recomenda-se que os interessados tenham bem consolidadas as habilidades básicas do mergulho autônomo, como o ritmo respiratório, equilíbrio hidrostático, configuração do equipamento, orientação subaquática e os cuidados com o dupla. Um bom curso deve cuidar para que possíveis falhas dessas habilidades possam ser solucionadas.

Mergulhe com competência, esteja seguro mas faça-o com naturalidade, deixe a neurose na superfície. Lembre-se do que levou você inicialmente ao mergulho, com certeza foram às promessas de divertimento e aventura e não a visão estreita de que só existe uma forma correta de mergulhar.
Não vale a pena preocupar-se durante todo o mergulho se você está bem na fita, se todos os outros mergulhadores estão assistindo outro filme em que você nem é coadjuvante.

 

Curso de Mergulho em Naufrágios

 


 
 

 

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.


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