Cavernas X Naufrágios
Os mergulhos são parecidos, mas as técnicas, bem diferentes. Por isso, é melhor não
se enganar na hora de fazer o planejamento.

Revista Mergulho, ano VIII, Nº 115 - 2006
Por: Maurício Carvalho
 
 

O fechamento das cavernas no Brasil, levou muitos mergulhadores a migrarem naturalmente para os naufrágios. Essa mudança contribuiu bastante para o desenvolvimento desta especialidade, que já é uma das preferidas do brasileiro, se não houvesse uma confusão entre as duas técnicas. Embora elas tenham sua semelhança, mergulhar em naufrágios não é a mesma coisa que mergulhar em caverna.
Antes de mais nada, imersões em grutas e afins são sempre mergulhos técnicos, por causa da presença de um teto. Nos naufrágios, no entanto, não é bem assim. Muitas vezes, pela tranquilidade do local, os navios afundados são apenas pura diversão. Tanto que muitos deles são apreciados apenas pelo lado de fora, porque a penetração numa estrutura desmantelada pode colocar em risco a vida do mergulhador

Mas o problema é ainda mais complexo. No Brasil, apenas uma das técnicas de caverna se desenvolveu nos últimos anos. Nela as penetrações são em grandes cavernas de entrada alagada a céu aberto e com passagens limpas. Cavernas com lagos internos, o sump dive - que visa ultrapassar sifões alagados e técnicas de Side mont, para áreas com severa restrição ainda são pouco trabalhadas.
Ou seja, a técnica de mergulho em cavernas, tão difundida por alguns como padrão geral de mergulho, não se adapta nem mesmo a todos os tipos de caverna e por isso não pode se aplicar com correção a todos os tipos de mergulho.
Em 1983 quando comecei a mergulhar em cavernas, praticamente não haviam técnicas desenvolvidas e levávamos a prática do mar para o subterrâneo. Cometíamos tantos erros que hoje as fotos da época chegam a serem pitorescas. Nesta mesma época, as técnicas de mergulho em naufrágio já vinham sendo desenvolvidas. O tempo passou e técnicas e equipamentos foram aprimorados. Agora quando importamos ótimas técnicas de caverna de volta para o mar, devemos ter o cuidado de não cometermos o mesmo erro.
Naufrágios e cavernas são mergulhos fantásticos e não cabe a análise de qual é mais difícil, perigoso ou torna seus praticantes melhores. Devemos utilizar o que há de positivo em ambas as técnicas para aprimorar todo o mergulho, cuidando apenas para que os que difundem o conhecimento, como os instrutores e grandes entusiastas, não ensinem o que sabem, por não saber o que ensinar.
Desenvolver o senso crítico e procurar um profissional com real experiência na área que se deseja é fundamental para um desenvolvimento seguro nas técnicas de caverna e naufrágios.
 
Mapeamento
CAVERNA - A grande maioria das cavernas é formada por dissolução de rocha calcária pela água e por isso de configuração aleatória. Além disso, formações alagadas são pouco ornamentadas com espeleotemas e os conductos são muito semelhantes. Não existem duas cavernas idênticas, e por isso o planejamento antecipado da exploração é muito difícil. Nesta situação o cabo guia é uma ferramenta de orientação essencial.
NAUFRÁGIO - Já os naufrágios obedecem a um display de estruturas e peças características ao seu período de construção, o que permite ao mergulhador utilizar amplamente de seu conhecimento sobre navios para navegar com segurança por entre os destroços, tornando a carretilha menos importante do que sua capacidade de identificação visual. O cérebro substitui o equipamento. Ao mergulhador de naufrágio cabe estudar as peças e estruturas para aumentar cada vez mais sua capacidade de orientação e reconhecimento; o que fará seu mergulho ser mais agradável e seguro.
 
Estabilidade

NAUFRÁGIO - Naufrágios são estruturas dinâmicas, que se alteram ao longo do tempo por fatores meteorológicos, químicos e físicos. Assim podemos mergulhar um dia e encontrar o naufrágio em determinado estado, voltar no final de semana seguinte e descobrir peças de grande tamanho desmontadas pela ação das ondas, ou cobertas por areia devido à mudança das correntes. Uma freqüente rota de penetração pode estar totalmente obstruída pelo desmanche natural do navio.
Esse processo dinâmico, obriga ao mergulhador de naufrágio a uma constante análise das novas condições de segurança dos destroços. Não é seguro qualquer penetração em naufrágios sem que o mergulhador seja capaz de avaliar a estabilidade da estrutura do navio o que não é feito em cavernas.
Esta instabilidade natural obriga ao interessado neste tipo de atividade a estudar o processo de desmanche dos navios.
CAVERNA -
Por outro lado, cavernas são estruturas muito estáveis e se uma delas, em milhões de anos, resolver cair justamente no intervalo de minutos em que você está dentro dela, realmente é seu dia!!!

 
Visibilidade e Luminosidade
CAVERNA - A visibilidade no interior das cavernas ela é sempre nula, obrigando os mergulhadores a serem fortemente dependentes das lanternas, devendo estar habilitados a lidar com suas falhas e limitações e por isso devem ser submetidos a treinamentos freqüentes.
NAUFRÁGIO - Na grande maioria dos naufrágios a luminosidade é constante, praticamente tornando o mergulhador independente de lanternas de grande potência e durabilidade. Elas serão utilizadas em algumas penetrações - o que também obriga ao treinamento - e eventualmente quando a água estiver escura em cima e clara no fundo. Situações mais comuns são águas turvas no fundo, o que independente das lanternas obriga o mergulhador a dominar técnicas de mergulho praticamente em Braile. Mais: para quem mergulhada em naufrágio, grandes lanternas de canister e seus fios são um incômodo desnecessário na maioria das vezes por causa dos enroscos.
 
Imprevisibilidade
CAVERNA - Talvez o fator que mais produza diferenças nas técnicas seja a imprevisibilidade do mar. É pouco provável que um mergulhador de caverna tenha que se submeter durante seus mergulhos a diferentes condições meteorológicas, de temperatura, visibilidade e correntes. Com essa calma reinante, o mergulhador de caverna poderá configurar seu equipamento de forma única, sabendo que ele se adapta bem a todo o período de mergulho. Assim fica mais fácil definir tempos de fundo, consumo médio de gás e autonomia. Pesados cilindros duplos podem ser transportados até a entrada da caverna sem inconveniente, cilindros de apoio podem ser deixados pelo percurso, já que o caminho de volta é definido pelo cabo da carretilha. A roupa de mergulho ideal é definida pela água da superfície.
NAUFRÁGIO - Nos naufrágios, a história é diferente. Quando se mergulha em mar aberto, as condições mudam o tempo todo, pois as marés seguem forças incontroláveis, obrigando assim o planejamento prévio. Outras mudanças são quase imprevisíveis. Diferenças de temperatura (termóclinas) são freqüentes e o retorno à embarcação, no final do mergulho, poderá ser feita em condições adversas, devido ao vento iniciado durante o tempo de fundo.
Com esses problemas o mergulhador de naufrágio precisa saber utilizar equipamento com configurações diferentes, de acordo com o maior potencial de risco para o local onde é feito o mergulho.
Em locais de mar agitado, cilindros duplos e lanternas de canister, que aumentam à resistência da água e esforço provocam aumento de consumo e desgaste físico, principalmente na superfície. Dependendo da profundidade você faria o mesmo mergulho, com muito mais desenvoltura e prazer com um cilindro simples.
Apesar disso, para diversos naufrágios as duplas e outros equipamentos técnicos serão necessários, obrigando ao mergulhador competente a dominar técnicas diferentes, mas sempre lideradas pela capacidade de análise das condições, mudanças e riscos ambientais. Nas cavernas o planejamento deve ser seguido à risca. Nos naufrágios ele deve ser um plano de ação, sujeito a mudanças em respostas ao meio marinho.

 

Equipe-se Direito

Com a migração para os naufrágios, alguns mergulhadores não abandonaram seus equipamentos de caverna, incorporaram novas peças e abriram mão de outras. Resultado, uma verdadeira árvore de natal no carnaval.

  • O cinto de lastro, por exemplo, tem sido substituído por um back plate, preso as costas por correias justas, o que dificulta a subida livre
  • Nos naufrágios, continua havendo superfície disponível ao contrário das cavernas, assim a subida livre e a natação na superfície são técnicas perfeitamente viáveis e que não devem ser abandonadas.
  • Além disso, Back plates associados a um cilindro simples, que não possui redundância de reguladores, fará com que o único recurso do mergulhador sem ar seja seu dupla.
  • O snorkel foi praticamente abandonado. Quem já se viu em uma situação de um retorno longo ao barco com mar agitado, conhece bem sua importância. Quando se utiliza à regra dos terços em cilindros duplos existe ar disponível na superfície para contar com o ar do regulador, já quem utiliza a reserva precisa do snorkel.
  • .Devido à presença de redes e linhas de pesca, as facas são fundamentais nos naufrágios e normalmente são utilizadas em redundância. As Z-knifes, típicas de caverna, surtem pouco efeito sobre as tralhas de redes.
  • Nos naufrágios as carretilhas não são tão importantes como nas cavernas. Geralmente uma carretilha de 40 metros cumpre perfeitamente sua função e carretilhas extras não são necessárias. Mas o cabo de carretilhas de cavernas - nylon ou seda de 1,5 mm - utilizados para uma flutuabilidade neutra em água doce, devem ser substituídos pelos de polipropileno 2 mm., pois são mais resistentes as arestas cortantes do metal em decomposição.
 
 
Maurício Carvalho é Biólogo, Instrutor da PADI, PDIC, IANTD.
Foi supervisor de mergulho em gruta do GREC- DF.
e
instrutor especialista em naufrágios, autor do
SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios)
e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.
 

OBS: Na matéria original na Revista Mergulho constam outros fotos.
 

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