Destino: naufrágio

Mergulhei num Naufrágio ! E Agora

Não é necessário ser um especialista para desfrutar das belezas
que um navio afundado oferece. Basta seguir alguns preceitos básicos


 
Revista Mergulho, Ano XII - Nº 145 - Agosto/2008
Texto: Maurício Carvalho

Recebo muitos E-mails por semana de mergulhadores que não conheço, mas mês passado um deles em particular me chamou minha atenção.

"...Gostaria muito de fazer seu Curso de Naufrágio, mas em época de crise de petróleo, inflação voltando e com a carga e impostos que temos, melhor manter as brânquias molhadas mesmo cometendo alguns erros, do que virar um lagarto certinho no deserto... Como devo proceder para estar seguro? ..."

Naturalmente que minha primeira recomendação ao colega seria que ele participasse de um bom Curso de Naufrágios, até porque eu também pago impostos, (e muito!)
Mas aquele E-mail não saía da cabeça. O José Eduardo estava certíssimo. O mergulho é uma excelente válvula de escape e se não pirei no último ano, foi por muita terapia de bolhas. Manter-se úmido é a melhor maneira de manter a "boa forma" mental.

Tenho recebido tantas manifestações de carinho de mergulhadores, que não conhecia, que me senti culpado em não escrever algo para os que nem gostam tanto de naufrágios ou não estão dispostos a gastar dinheiro em um curso, e já que falamos de finanças resolvi pagar minha dívida.

Você chegou a um ponto e mergulho e descobriu que ele é um naufrágio; e agora?

Para você, vapor é excelente para a sauna e carvão combina com churrasco e cerveja. No fundo, você gosta mesmo é de ver um monte de peixinhos coloridos? Tudo certo, cada um deve obter em um naufrágio o que lhe da prazer, todos felizes e sem preconceitos.
Apesar desta postura de pouco apreço por naufrágios, não podemos negar que mesmo para aqueles que utilizam os destroços apenas como cenário, alguns cuidados e dicas poderão tornar o mergulho muito mais seguro e prazeroso.

ATENÇÃO NA SUPERFÍCIE
Antes mesmo de chegar o local do mergulho, informe-se com os profissionais da operadora, sobre os dados básicos do mergulho. Profundidade máxima e mínima do naufrágio, visibilidade e temperatura esperada e a disposição geral dos destroços. Com esses dados, você já poderá antecipar algum planejamento. O profissional também poderá dar algumas dicas gerais sobre o naufrágio:

  
Estado de conservação
Ao longo de seu tempo submerso, o naufrágio passa por diversas fases.

NAUFRÁGIO INTEIRO
São aqueles em que o mergulhador poderá estar debaixo e um teto e em ambiente escuro.
Nestes casos, a primeira providência é planejar apenas uma exploração externa. Deixe isso claro com seu dupla. O maior risco deste mergulho é a penetração sem a experiência em ambientes sem acesso direto à superfície.
Esse tipo de naufrágio exige do participante um sistema de respiração e iluminação de qualidade e com redundância, pois os mergulhadores precisarão retornar ao exterior em segurança caso uma falha no fornecimento de gás ou iluminação aconteça. Somente um bom curso pode prepará-lo para todas as eventualidades.
Além disso, o risco de perder-se no interior dos destroços é grande. Uma carretilha e conhecimentos da estrutura interna de um navio são fundamentais para que a segurança seja mantida. O cuidado deve ser com o manuseio da carretilha um dos problemas mais freqüentes durante as penetrações.
 

NAUFRÁGIO SEMI-INTEIRO
Quando o naufrágio começa a desmontar, o maio risco é o desabamento de estruturas e os ferimentos em pontas de metal recém-rompidas e ainda afiadas. Recomenda-se que antes de percorrer as estruturas você estabeleça um cuidadoso equilíbrio hidrostático, mantendo-se afastado de pontas de metal e rigorosamente fora dos destroços.
Naufrágios desmoronam por diversas razões e uma delas pode ser um mergulhador descuidado impactando os destroços.
Existem regras para identificar os risco e desaconselhar penetrações perigosas, as principais são:

1 - Perda de continuidade entre peças;
2 - Perda de estabilidade de seções;
3 - Perda de sustentação do teto;
4 - Barulhos do naufrágio;
5 - Movimentos recentes de grandes estruturas.

 

NAUFRÁGIO DESMANTELADO
Um dos riscos a que você está exposto quando se aventura em destroços desmantelados é a desorientação, já que o cenário do fundo torna-se caótico. Uma confusão de peças - para aqueles que não entendem a configuração dos navios - e a dinâmica das estruturas. A solução pode ser a utilização de um croqui plastificado, que possa ser consultado durante o mergulho facilitando a sua localização.
 

NAUFRÁGIO ENTERRADO
Naufrágios desse tipo são muito seguros para os mergulhadores sem experiência. O único risco e passar pelos destroços sem perceber que no local existe alguma coisa.
É importante para você entender que combinações dessas formas também poderão ser encontradas, e servem para definir seus limites (até onde ir) durante o mergulho.
 
Distribuição dos destroços

NAUFRÁGIOS PERPENDICULARES A COSTA
Na maioria dos mergulhos em naufrágios do Brasil o navio chocou-se com a costa, afundando rapidamente. Sua proa está muito próxima ao costão, sendo normalmente o ponto de início do mergulho. Neles o mergulhador deve localiza as peças de proa, confirmando a posição do navio e seguir na
direção da popa (fundo).
Não perca tempo observando peças no raso, vá direto para o ponto mais profundo planejado para seu mergulho e de lá retorne a superfície realizando um mergulho multinível. O procedimento correto permitirá um tempo de fundo maior e mais segurança descompressiva.
Durante a subida, um percurso com padrão em "U" permitirá conhecer todo o navio e manter a redução de profundidade. Ao perceber que as peças estão terminando basta subir alguns metros e retornar no percurso. Você poderá terminar seu mergulho no raso observando as peças que havia deixado pra trás no início do mergulho. (Buenos Aires - 1890 ao lado).
 
 

NAUFRÁGIOS EM FUNDO PLANO
Neles, não existe normalmente a costa como abrigo e orientação. Por isso, um cabo de descida costuma ser preso aos destroços e descer e subir por ele é a garantia de retornar em segurança a seu barco.
 

FORMA DE CANOA
A forma clássica de canoa ocorre quando um naufrágio, apoiado no fundo, mantém a estrutura do casco, mas os convéses internos desabam. O casco permanece como uma espécie de cerca entre o interior do navio e o resto do mar.
São naufrágios fáceis de explorar. As únicas preocupações devem ser de identificar o casco do navio, pois ele é o limite dos destroços e em que local está fixado o cabo de subida, que normalmente é uma das extremidades do navio.

 

FORMA DE LADO
Nesses naufrágios as estruturas não estão apoiadas em seus locais originais, por isso, o desabamento tende a ser 30% mais rápido que me navios corretamente posicionados no fundo. Penetrações são sempre mais arriscadas porque além de sofrerem maior risco de desabamento a orientação dos mergulhadores em corredores com posição fora do comum é mais difícil.
Se você optar por um mergulho sobre um fundo plano, passará todo seu tempo observando o casco virado para a superfície. O mergulho será mais interessante se você se comportar como em mergulhos em paredões, desta forma, poderá percorrer o convés visualizando a maioria das peças e locais de abrigo dos peixes.

 

NAUFRÁGIOS PARALELOS A COSTA
Quando um navio não afunda assim que se choca contra a costa, normalmente a força do mar acaba por lança-lo paralelo à costa. Nesses destroços não existe diferença significativa na profundidade, por isso, o mergulho pode ser feito a partir de qualquer ponto.
Normalmente você identificará, próximo ao costão, um casco que se projeta para cima e o casco do outro bordo, não pode ser localizado pois está enterrado. Grandes peças como caldeiras e mastros devem estar caídas junto a areia.
 

Com algum planejamento prévio, prudência e algumas dicas de mergulhadores que conhecem o local, mesmo que você não entenda de naufrágios, poderá orientar-se com segurança, realizar ótimos mergulhos, divertir-se e principalmente ser feliz (ultimamente esse tem sido o mergulho mais difícil).
Esqueça a necessidade de milhares de carteirinha e lembre-se que o mais importante, como já disse o José Eduardo: "manter as brânquias molhadas é a essência do mergulhador".

 

Curso de Mergulho em Naufrágios

 

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.

 

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