Destino: naufrágio
Bonaire
Hilma Hooker
O passado sombrio do mais frequentado navio do Caribe


 
Revista Mergulho, Ano XIII - Nº 174 - Feverreiro/2011
Texto Maurício Carvalho
 
Muitos mergulhadores não podem ver um navio velho sem ficar imaginando o "bichinho" sendo mandado para o fundo em um local de águas tranquilas e claras. Um verdadeiro presente. Mas para que com o tempo esses destroços não virem um presente de grego, causando acidentes, os mergulhadores devem se manter prudentes e avaliar as condições estruturais e de segurança a cada mergulho.
 


Em naufrágios de lado os mastros
apóiam-se no fundo equilibrando o casco

 
Levando em conta que um dos grandes fornecedores de navios para afundamentos pelo mundo tem sido o tráfico de drogas e são exemplos, além do Hilma Hooker, o Oro Verde (Cayman) Tunamar (antigo Solano Star - o navio da lata, que revolucionou o verão de 1987 Rio de Janeiro), entre outros, mas cuidado ainda devemos ter, já que como se comenta: "alguns navios têm alma negra".
Vamos analisar o caso de um dos naufrágios mais frequentados pelos brasileiros. O Hilma Hooker em Bonaire. Pode parecer brincadeira, mas quando perguntamos os naufrágios que os mergulhadores conhecem, esse famoso navio do Caribe, aparece muito mais do que os lindos naufrágios de Abrolhos e Salvador por exemplo.
Bonaire é sem dúvida um dos destinos internacionais mais frequentado pelos brasileiros e por isso, o grande interesse neste naufrágio. As condições estruturais do Hlima Hooker são semelhantes a alguns naufrágios brasileiros, como o Pinguino e Lily, apenas em momentos diferentes. Eles estão deitados de lado com sua casaria forçando a estrutura do convés, o que, infelizmente reduz em cerca de 30% a estimativa de integridade das estruturas.

O HILMA HOOKER

Construído na Holanda em 1951 com o nome de Midsland, esse cargueiro de 72 metros, passou por vários proprietários que o batizaram sucessivamente de Mistral, William Express, Anna, Doric Express. Finalmente de propriedade colombiana tornou-se o famoso Hilma Hooker, graças a uma certa ervinha do demônio.
 
Em 1984 o cargueiro seguia viagem com destino a portos dos Estados Unidos quando, devido a problemas mecânicos no leme, ficou a deriva e acabou rebocado ao porto principal de Bonaire. As autoridades decidiram verificar a documentação e revistar o navio, pois existiam suspeitas do FBI de que ele estaria transportando drogas. Acondicionadas em um compartimento falso, os policiais encontraram mais de 25.000 quilos de maconha.
O cargueiro foi confiscado, mas devido a falta de documentos, não se conseguiu identificar os proprietários. Ao longo dos meses do processo o navio permaneceu ocupando o cais de Bonaire.
As operadoras locais desejavam que o governo afundasse o Hilma Hooker, para criar um ponto de atração para os mergulhadores. Mas o governo das Antilhas Holandesas alegava que o navio era evidência do crime, mas não a prova de culpa dos proprietários e dependendo das investigações poderia até ser devolvido a eles.
Meses se passaram e o Hilma Hooker, sem manutenção, já fazia água, o que obrigava o bombeamento constante e colocava o píer em risco. Assim, foi decidido que o navio seria levado a um novo ponto de ancoragem "temporária", até que o problema fosse solucionado. O interessante nesse caso, é que a associação das operadoras de mergulho da ilha opinou sobre o melhor local para fazê-lo. Estranho, mas muito conveniente.
 

 

A tampa do porão caída na frente da estiva
  No dia 07 de setembro o navio foi rebocado do porto e ancorado neste novo local estratégico. Em poucos dias começou a apresentar um ligeiro adernamento e logo a água já atingia a linha inferior de vigias. No início da manhã do dia 12, sem que "ninguém esperasse", o navio virou sobre estibordo e afundou, parando de lado no fundo de areia a aproximadamente 27 metros. Uma "surpresa" para todos.
Desculpem o excesso aspas no texto; mas tanta erva torna as coisas pouco claras.
A maconha, segundo as autoridades, como sempre acontece nesses casos, foi "queimada".
Após o afundamento, as operadoras de mergulho uniram-se para tornar o naufrágio mais seguro, providenciando a abertura de passagens, retirada de portas e outros objetos que pudessem oferecer risco aos mergulhadores.
Atualmente o naufrágio se apresenta entre 15 e 27 metros, à cerca de 100 metros da praia, apoiado em uma faixa de areia entre duas linhas de corais que se estendem ao longo da costa. Após 26 anos no fundo o naufrágio já começa a apresentar sinais de quebra da sua estrutura.

O Hilma Hooker apresenta dois pequenos casarios um a meia-nau, onde estava a cabine de comando e outro a ré, onde ficavam a cozinha e o alojamentos da tripulação. Na frente de cada casaria está um grande porão, que tiveram suas tampas removidas e hoje estão caídas no fundo à frente das estivas. Na frente de cada porão estão seus mastros de carga, que se inclinam até tocar o fundo.
Os porões estão vazios e comunicam-se por um pequeno corredor. Neles a penetração é fácil e segura. No entanto, na parte da baixo da popa está a sala de máquinas, onde muitas estruturas tornam a penetração mais arriscada. Logo na entrada, encontra-se uma placa que adverte da morte de um mergulhador.
 

PLANEJANDO SEU MERGULHO
O que mais chama atenção no Hilma Hooker atualmente é a constante e cada vez mais visível deformação da casaria, que pendurada na lateral do navio, cria uma força de alavanca que invariavelmente romperá o casco nesta posição.
Esse processo de torção é bem conhecido dos mergulhadores de naufrágio com treinamento adequado. Ela hoje é a maior causa de risco no Pinguino (Angra dos Reis) e alguns anos levou a destruição do casaria do Lily (Bombinhas). As chapas da casaria se dobram, abre-se uma fenda entre ela e o convés e todo o conjunto desaba. Como não é possível saber o momento em que essa quebra acontecerá, deve-se ter muito cuidado ao penetrar nesses navio. Procure saber se houve mudanças recentes, para e escute o naufrágios, esses eventos indicam estruturas instáveis.
Navios caídos de lado devem ser tratados pelos mergulhadores com mais prudência. Além da orientação em seu interior ser difícil, pois suas estruturas estão fora dos locais habituais, a torção das estruturas acelera ainda mais um desabamento precoce e que poderá desmantelar naufrágios até recentes, criando um ambiente labiríntico e caótico. Adquira conhecimento técnico e mergulhe com cautela.
Vai pegar muito mal você dizer aos amigos, como desculpa, que uma certa plantinha, da carga do navio, fez você ficar doidão no interior dos destroços.

 

Linha de ruptura no casario do Hilma Hooke
A casaria inclinada cria torção no casco
 

 

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.

 

voltar a biblioteca