Destino: naufrágio
Dragando o Passado


Revista Mergulho, Ano XIII - Nº 159 - outubro/2009
Texto Maurício Carvalho

Dois raros naufrágios que repousaram nas águas do litoral de alagoas,
garantem mergulhos com muita vida marinha e excelente visibilidade

 
As águas claras do litoral de Alagoas guardam uma rara coincidência para os mergulhadores que se aventurem nesta parte do país. Repousam no fund,o duas grandes dragas do início do século 20. Embora a pouca distância uma da outra, Dragão e Draguinha, como são carinhosamente conhecidas a muitos anos pelos pescadores locais, naufragaram em anos diferentes mas por razões semelhantes.
Pela raridade destas embarcações - não conheço nenhuma outra naufragada no mundo - a bela fauna que se estabeleceu no local, a proximidade do litoral e as águas claras que as rodeiam, são mergulhos garantidos aos que frequentam as águas brazucas.

 
O SISTEMA DE DRAGAGEM DO SÉCULO 19
Essas duas embarcações possuíam um curioso sistema de dragagem, que por si só já vale o mergulho. A draga tinha seu fundo, da meia-nau à proa, dividido com uma grande fenda. Por essa fenda, uma rampa era descida até o fundo, por meio de um sistema de cabos. Nela, correias propulsionadas por um sistema a vapor, circulava grandes baldes, que arrastavam no fundo, recolhendo o material. O mesmo sistema de circulação de uma escada rolante.
Quando os recipientes chegavam cheios no alto da
 

rampa, eram despejados em um separador que lançava a
areia e lodo em uma alvarenga de apoio e devolvia a água ao mar.
O casco, aberto na proa, não permitia boa capacidade de navegação principalmente em mar aberto, o que deve ter contribuído muito para a causa dos naufrágios enquanto eram rebocadas para o norte do Brasil. A fragilidade do casco é evidente quando mergulhamos nos dois navios e encontramos neles o casco totalmente torcido em seu eixo longitudinal.

A IDENTIFICAÇÃO DOS NAUFRÁGIOS
O primeiro registro que tive destes naufrágios ocorreu em 1987. Porém, somente com a embarcação Voyager da Atlantis foi possível iniciar a pesquisa que achei que seria longa e sistemática.
Por sorte, e devido às características peculiares das duas dragas do início do século 20, foi fácil cruzar as evidências, eliminar outros alvos e identificar os navios na primeira viagem de pesquisa, o que não é o padrão em pesquisas sérias em naufrágios.

 

 
DRAGÃO - DRAGA ANDRÁ REBOUÇAS
André Rebouças foi um importante engenheiro responsável pela reforma do porto do Rio de Janeiro em 1869. Por isso, batizou a draga da Inspetoria Federal de Portos, Rios e Canais. Em 1927 ela era rebocada para os portos do norte, quando devido às condições do mar, aproximou-se do litoral já com muita água nos porões, acabando por afundar a 8 milhas do litoral de Maceió.
 
Engrenagem de propulsão da esteira Braço de dragagem Esteira de dragagem Roldna do sistema de dragagem Casco 1 Casco 2 Caldeiras A penetração pode ser feita em pequenos compartimentos
 
A draga de 55 metros de comprimento está caída no fundo de cabeça para baixo, com o sistema de funcionamento e a rampa de dragagem expostas, o que torna o naufrágio muito interessante.
Os destroços a 35 metros de

profundidade são frequentados por muitos cardumes de enxadas e galhudos, além disso, tartarugas e grande número de peixes coloridos escondem-se debaixo do casco, que permite uma bela penetração.

   


 

DRAGUINHA - DRAGA Nº 9

Em 1961, a Draga nº 9 da Companhia Nacional de Construções Civis e Hidráulicas deixou o Rio de Janeiro com destino a Recife, rebocado pelo navio Icaraí. Em Vitória, já aconteceram os primeiros problemas, antecipando uma viagem problemática. Então a draga foi passada ao vapor Ceres.
 
 
No dia 13, a draga comunicou o aparecimento de muita água no porão de boreste e o Ceres rumou rapidamente para Maceió. No início da manhã do dia 14, a draga adernou e afundou a cerca de 7 milhas do porto.
Esta draga de 41,7 metros também está emborcada no fundo a 35 metros. Nela, percebemos claramente os dois cascos torcidos um sobre o outro. As principais peças da Draguinha, como as caldeiras e o sistema de dragagem, estão espalhadas na lateral do casco. A fauna também é muito interessante e os fotógrafos conseguirão ótimos enquadramentos.
 
Cabeço-de-amarração Cabeço-de-amarração Roda do sistema de dragagem Lança de dragagem Esteira de descarte de lama Penetração fácil abaixo do casco. Penetração fácil abaixo do casco.
 

Para quem gosta de mergulhar e visualizar mais do que belos animais, serão surpreendidos pela estrutura totalmente diferente dessas embarcações. Mas recomendamos antes do mergulho, pesquisar a configuração das dragas. Caso contrário, você como muitos mergulhadores, só verá no fundo um monte de ferros. As dragas estão muito próximas e os dois mergulhos podem ser feitos no mesmo dia.

Passando por Maceió não deixe de conferir esses navios, mas nem pense em mergulhar somente em um deles, pois as dragas são como a música - Fico assim sem você... Romeu sem Julieta, amor sem beijinho e Dragão sem Draguinha, não fazem nenhum sentido.

 

 

Veja mais em:
Naufrágio do Dragão - André Rebouças
Naufrágio da Draguinha - Draga Nº 9

 

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.

 

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