Destino: naufrágio

A pouca sorte do
BLACKADDER


Clipper Norueguês, depois de muitos percalços, descança na
Baía de Todos os Santos e faz a alegria dos mergulhadores.


Revista Mergulho, Ano XIII - Nº 151 - fevereiro/2009
Texto e fotos Maurício Carvalho
 

Esse cliper foi chamado de navio sem sorte. Amá fase do Blackadder, porém, terminou ao repousar no fundo do mar, em um dos lugares mais agradáveis da Baía de todos os Santos. Acarinhado pelos mergulhadores baianos, apaixonados e ávidos por naufrágios, o Blackadder está finalmente em paz.

O barco noreguês permaneceu praticamente desconhecido dos mergulhadores baianos até novembro de 1999, ofuscado em parte, pelo brilho do Cavo Artemidi. Eu estava em Salvador para mais um curso de Mergulho em Naufrágio e um dos alunos, o mergulhador Rodrigo Maia, já um apaixonado pelos naufrágios, me convidou para conhecer esse navio; avisando antes que "não era nenhum Cavo". Ainda bem!

 
Fiquei chocado ao ver o fantástico conjunto de destroços, e imediatamente
resolvi levar aquela turma de alunos para conhecer o navio. Tive de vencer a resistência dos que não acreditavam que um navio na praia de Boa Viagem poderia ser tão bom quanto o Cavo. Fico satisfeito de ver que, hoje, o Blackadder é um dos naufrágios mais frequentados da capital baiana.
  A HISTÓRIA
Batizado com o nome de um rio da Escócia, o Blackadder foi construído por Jonh Willi & Sons já no final da era dos grandes veleiros. Foram utilizados os planos de casco do famoso cliper Cutty Sark que, além de dar nome a bebida era um famoso ponto turístico em Londres até que a dois anos, durante os trabalhos de restauro, um incêndio destruiu parte deste veleiro histórico.
Apesar da cuidadosa construção, a longa história do Clíper foi marcada pelos acidentes - ou como os superticiosos do mar preferem, pela má sorte.
Ainda nas docas de Londres afundou devido a um vazamento por um cano de fundo não conectado. Posto a flutuar, logo percebeu-se um problema nos mastros.
  Logo na primeira viagem entre Londres e a cidade do Cabo, o mastro
principal inclinava o navio, partiu dois metros acima da base e despencou, destruindo parte do convés. Outro mastro também apresentou problemas, abrindo rombos no navio por onde entrava muita água. O navio foi obrigado a arribar para o Rio de Janeiro.
Durante a viagem de volta, já reparado, o Blackadder sofreu três colisões além de mais problemas com os mastros.
Em uma viagem no Mar da China, foi atingido por um vapor francês. Na volta, deixando Shangai, foi envolvido em outra colisão. Retornou a Londres e foi novamente consertado.
No início 1873 perdeu outro mastro em um furacão no Pacífico; reparado, em outubro rumou para a Austrália, quando foi jogado por uma tempestade contra um recife costeiro. A tripulação chegou a abandonar o navio; mas como, recusou-se a afundar, a tripulação retornou a embarcação, conseguiu retirar o navio dos recifes e voltar a Boston para reparos.
 
Foi vendido a uma companhia Norueguesa em 1899. Em 1905 viajou para a Bahia cargando de carvão. Em novembro (existem controvérsias sobre a data) um temporal soltou a embarcação de sua amarração, lançado-a sobre os recifes da praia de Boa Viagem onde definitivamente afundou e finalmente descansou.
Depois de tantas agruras, todos os anos um amigo baiano fixa a um dos mastros do naufrágio uma fitinha do Senhor do Bonfim. Acho que o Blackadder merece.
Mas para um fiel registro da verdade, não podemos dizer que só de desgraças foi
marcada a história deste valente cliper. Ele registrou diversos recordes de velocidade em travessias oceânicas, percorrendo em seus trinta anos de serviço milhares de milhas marítimas por alguns dos oceanos mais agitados.

O MERGULHO

Situado no interior da Baía de Todos os Santos, além da rota dos ferryboats, o mergulho no Blackadder é uma agradável surpresa. Primeiramente pelas águas claras e calmas que envolvem o naufrágio. A Baía de Todos os Santos recebe grande parte dos afluentes de esgoto já tratados - o oposto da maioria de baías e rios das grandes cidades brasileiras - o que garante a qualidade da água. O mergulho pode ser feito de barco, ou a qualquer momento, a partir da própria praia.
 
 

FICHA TÉCNICA


DADOS TÉCNICOS
NOME DO NAVIO:
Blackadder
DATA DO AFUNDAMENTO:
05.11.1905
LOCAL:
Salvador, BA.
POSIÇÃO:
Em frente a praia de Boa Biagem
LATITUDE:
12º 56.122´ Sul
LONGITUDE:
038º30.673´ West
PROFUNDIDADE MÍNIMA: 8 metros
PROFUNDIDADE MÁXIMA: 15 metros
CONDIÇÕES ATUAIS: semi-inteiro

DADOS TÉCNICOS
NACIOLNALIDADE:
Norueguesa
ANO DE FABRICAÇÃO:

ARMADOR:
J. Aalborg, Kragero, Noruega.
ESTALEIRO: Maudslay, Son & Field, (London)
COMPRIMENTO: 71 metros BOCA: 11,6 metros

TIPO DE EMBARCAÇÃO: Clipper
MATERIAL DO CASCO: ferro
PROPULSÃO: vela
CARGA PRINCIPAL: Carvão
MOTIVO DO NAUFRÁGIO:
Chocou-se com os recifes da costa.


  O estacionamento é fácil, a areia é dura e a praia, estreita. Com menos de 30 metros de natação em águas rasa, o mergulhador passa por cima dos recifes e atinge o naufrágio, que está situado em frente a uma antiga fábrica abandonada.
Nos últimos anos, o navio sofreu com saques e retirada de algumas peças como escotilhas, mas o grosso do conjunto deste veleiro ainda pode ser apreciado.
O navio está caído para boreste, com os três mastros perpendiculares ao recife. Na proa, está o mastro de gurupés fincado na areia e pode ser vista no cruzamento do cavername a sólida construção deste cliper. No ano passado, localizamos uma âncora, provavelmente a de reserva, soterrada entre os destroços do interior proa.
A fauna do navio é incrível, uma variação de esponjas e outros invertebrados e muitos filhotes de peixes, que indicam ser o navio um berçário importante.
O mergulho deve preferencialmente ser feito na maré alta, quando as águas são mais claras e menos lixo passa sobre o naufrágio. Este sim, um dos problemas na Baía de Todos os Santos como tantas outras pelo país.

Depois das surpresas subaquáticas. O mergulho deve terminar ao melhor estilo baiano, com uma passada pela tradicional sorveteria da Ribeira, logo ali do lado, onde, entre dezenas de sabores de frutas nordestinas, o melhor sorvete de tapioca do Brasil o aguarda. Pode acreditar, o sorvete de tapioca é uma especialidade que, como naufrágio, levo muito a sério...
 

Curso de Mergulho em Naufrágios

 

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.

Veja mais em: Naufrágio do Blackadder
 

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