O LOCAL DA TRAGÉDIA
A enseada dos Ingleses têm aproximadamente 50 metros de comprimento por 100 de largura e é cercada de penhascos com mais de 50 metros de altura. A vegetação é seca e composta por muitos cactos. Atualmente, alguns eucalíptos invasores já podem ser vistos. No canto sul da enseada está a saída da chaminé da Gruta Azul. Voltada diretamente para o sul, a enseada é desprotegida do forte vento sudoeste.
As águas, frequentemente azuis, atingem regularmente temperaturas de 9º C devido ao fenômeno da subida de águas profundas conhecido como ressurgência. Abaixo da superfície, o fundo é formado de grandes rochas e inclinado cerca de 45º. Antes do meio da enseada já se atinge 35 metros, a partir do qual o fundo de areia inclina-se suavemente
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Quando a notícia do naufrágio da Thetis e da perda de toda a sua carga chegou ao Rio de Janeiro, rapidamente o capitão do H.M.S. Lightning - chefe do Esquadrão da América do Sul - tomou conhecimento dos acontecimentos. O Comandante Thomas Dickinson ficou surpreso pela carga ser considerada perdida.
 
Dickinson que entrou para a Real Marinha Inglesa em 1796 como simples marinheiro, navegou por todos os domínios ingleses a volta do mundo, ganhando experiência e galgando todas as patentes até Comandante.
Thomas Dickinson, havia presenciado trabalhos de mergulhadores de resgate em outros locais do mundo. Assim, após algumas semanas de pesquisa das características da região do Cabo Frio, idealizou um plano para recuperar tudo quanto fosse possível do navio.
 
Rapidamente levou seu plano e os esquemas dos equipamentos de mergulho necessários ao Almirante Baker no Rio de Janeiro; obtendo autorização, apoio e dinheiro para iniciar as operações.
Os sinos de mergulho e as bombas de ar tiveram de ser construídos no Rio de Janeiro. Os paus-de-carga e seu cabrestante seriam construídos no local com partes do próprio navio.
Durante a construção do sino os navios H.M.S. Algerine, o Brigue Adelaide, e o Warspite, que haviam seguido para o Cabo Frio para resgate dos tripulantes, já resgatavam objetos do naufrágio, que eram jogados na costa.
 
O PRIMEIRO SINO DE MERGULHO DO BRASIL
No Brasil imperial, foi necessário utilizar os serviços de um engenheiro inglês de nome Moore, residente no Rio de Janeiro. Ele supervisionou na Ilha de Villegaignhon o trabalho de construção dos armeiros dos navios ingleses.
O primeiro sino foi planejado para abrigar dois mergulhadores. Confeccionado à partir de dois tanques de água extraídos dos navio H.M.S Warspite. Os tanques, construídos de ferro fundido, foram cortados e unidos num compartimento com 1,20 X 1,80 metros. Nas arestas do topo, das laterais e base além das diagonais, foram rebitadas barras de ferro, reforçando toda a estrutura. Barras transversais internas aumentavam a resistência das paredes. Na parte superior do sino, havia olhais de sustentação e correntes, onde seriam presos os cabos. Nas laterais, foram instaladas barras de ferro como lastro. O peso total deste primeiro sino superava quatro toneladas.
Seis janelas de vidro iluminavam fracamente o interior úmido; a luz era reforçada por uma pequena lamparina. Preso as barras interiores existiam um assento e o descanso para os pés e alguns ganchos que suportavam as ferramentas.
Com mau tempo, o sino balançava muito e ao longo dos trabalhos, Dickinson ordenou diversas alterações no projeto; como substituir o lastro fixo, por ferro-gusa em um engradado, pois caso o sino emborcasse, o lastro no engradado seria liberado, facilitando o içamento. Esse acidente realmente aconteceu e o sino comportou-se como esperado.
 
Problemas durante a operação obrigaram a construção de um segundo sino menor. Ele possuia 2,7 X 0,90 metros de altura e era reforçado com barras de ferro, seu lastro pesava 2 toneladas. Duas placas de vidro iluminavam o interior. Um tubo fornecia ar através de uma válvula na parte de cima.
  

Os Sinos grande e pequeno construidos por Dickinson a partir de caixas d'água de ferro fundido, retiradas do navio Warspite.
O PRIMEIRO COMPRESSOR DE AR
O sino ainda precisaria de uma bomba de ar para fornecer oxigênio aos mergulhadores no fundo. Para isso, foi adaptada uma bomba d'água Truscott do navio Lightning. As mangueiras foram impermeabilizadas com alcatrão.
O sistema de mergulho foi testado no porto do Rio de Janeiro. O sino foi preso a um pau-de-carga do H.M.S. Warspite e o equipamento foi baixado até mais de 10 metros sem que nenhum problema fosse detectado.
 

O sino de mergulho e a bomba de ar, além de materiais necessários como cabos, âncoras e suprimentos, foram embarcados a bordo do H.M.S. Lightning. Dickinson planejava esticar uma rede transversalmente na entrada da enseada dos Ingleses, para evitar que partes dos salvados fossem levadas pela maré, porém a rede logo foi arrebentada e carregada pelas ondas.
No dia 23 de janeiro, junto com o H.M.S Algerine, Dickinson zarpou para o Cabo Frio decidido a resgatar os tesouros da Thetis.

 
O SALVAMENTO DO TESOURO
Sete dias depois de sua partida, os navios de Dickinson chegaram ao local do naufrágio e iniciaram imediatamente os trabalhos de sondagem para determinar o posicionamento do sino. A Thetis estava quase no centro da enseada com a popa virada para nordeste. Dickinson planejava tensionar fortes cabos de um penhasco a outro, atravessando a enseada.
 
Planos originais do salvamento da Thetis
 
 
Deles penderia por roldanas o sino. Para executar essa tarefa foram fixados as beiras dos penhascos grandes argolas de ferro por onde passariam os cabos.
Porém a altura dos rochedos e a posição da Thetis impediam de se conseguir dar a tensão suficiente aos cabos para manter o sino suspenso. Assim, Dickinson decidiu construir um pau-de-carga capaz de dar sustentação ao sistema de erguimento do sino.
 

Argolas de ferro, já corroídas, fixadas no alto dos penhascos da enseada dos Ingleses, serviam de apoio para os cabos.
 
Para atender as novas necessidades dos planos de Dickinson por um pau-de-carga os carpinteiros juntavam em Cabo Frio, pedaços de madeira disponível do Algerine e do Adelaide, além de pedaços recolhidos da Thetis.
Na Ilha de Cabo Frio, construiu-se na praia; barracas, uma oficina e trilhas até o alto da enseada onde permanecia a Thetis. Com o tempo o acampamento foi substituído por um vilarejo com cabanas de sapê, pois segundo o relatório "as cobras e principalmente os pernilongos, cujas picadas infeccionavam, perturbavam muito os marinheiros. As casas de sapê não foram de grande ajuda pois não protegiam os homens das chuvas e eles, acabavam doentes."
A vila, que ficou conhecida como Saint Thomas, injetou dinheiro na região e embora tenha durado pouco mais de um ano, deixou sua marca, o que provavelmente preciptou a formação da cidade de Arraial do Cabo.
Grupos de marinheiros revezavam-se, abrindo trilhas até o topo do rochedo, limpando e nivelando o chão e fixando várias cavilhas de metal e ganchos por todos os lados da enseada, e por eles foram passados os cabos que sustentariam o pau-de-carga.
Dickinson planejou construir uma plataforma ao nível do mar e uma rampa do lado esquerdo da enseada onde o relevo já era favorável. Para isso, mandou os armeiros do Lightning trazerem pólvora, de modo que as grandes rochas fossem explodidas. Pela rampa, o comandante pretendia subir o material pesado resgatado pelo sino. Para isso, utilizou guinchos do tipo cabrestante e parelhas de mulas, uma carroça foi adaptada para servir de elevador, partindo do flutuador no nível do mar até o alto do penhasco.
 

Vista da parte superior da rampa

Vista da parte inferior da rampa
 
Como a fabricação do pau-de-carga demorava o Comandante Dickinson tentou trabalhar com o sino suspenso na popa de uma das lanchas de apóio, porém o peso do sino não permitia a lancha suportar o serviço.
Para remediar a situação foi ordenada a construção de um sino menor.
 
    

Em março, o trabalho com o sino menor começou na lancha do Warspite.
No início de março, o mar agitado limitou o número de mergulhos e finalmente em 10 de março, uma tempestade jogou o sino de encontro ao penhasco e ele afundou. Os dois marinheiros que trabalhavam conseguiram chegar à superfície quase mortos e foram recolhidos por uma do barcos de assistência.

 
 

Os primeiros mergulhos dedicaram-se a içar grandes partes do navio para desobstruir o caminho e a marcar com bóias partes do casco e de alguns apetrechos. Assim, nada de valor foi recuperado. As correntes, estavam tão emaranhadas nos destroços e rochas e não foi possível o resgate.
 
AS CONDIÇÕES DE MERGULHO
Em fevereiro de 1831 chegaram do Rio de Janeiro sete caboclos com fama de mergulhadores experientes, porém eles não obtiveram os resultados pretendidos e foram dispensado. Oito marinheiros ingleses revezavam-se nos trabalhos de mergulho. Eles trabalhavam aos pares, em turnos de três horas durante as 12 horas de luz do dia. Eles também tentaram trabalhar à noite, com uma lamparina dentro do sino, mas o esquema não funcionou. Os mergulhadores utilizavam grossas vestimentas de lã, para tentar mantê-los aquecidos nas águas geladas do Cabo Frio.
Os mergulhadores comunicavam-se com a superfície em pranchetas e giz e levaram sacolas de lona para guardar os achados.
Os mergulhadores queixavam-se frequentemente de dores pelo corpo, cabeça e ficavam exaustos.
Considerando a pouca serventia da roupa, os sucessivos mergulhos em profundidades de até 36 metros é provável que os sintomas apresentados fossem a manifestação da Doença Descompressiva. Em 1830 os estudos dessas manifestações ainda engatinhavam (saiba mais sobre os trabalhos de Haldane e da Doença descompressiva).
Em certa ocasião, gases tóxicos exalados dos alimentos deteriorados da Thetis, contaminaram o ar no interior do sino, quase matando um dos mergulhadores.
Por todos esses problemas de mergulho e devido ao mar frequentemente agitado, o trabalho seguia lentamente. Apesar de tudo, no dia 5 de abril, os mergulhadores encontraram alguns dólares soltos e lingotes de ouro.
 
O FUNCIONAMENTO DO PAU-DE-CARGA
No dia 9 de abril, a tripulação de terra conseguiu firmar os cabos do pau-de-carga em várias partes do penhasco e o pau-de-carga foi rebocado até a enseada. O mau tempo não permitiu sua colocação imediata e somente 2 dias após eles foram bem sucedidos. Devido as duas viagens em mar revolto, o pau-de-carga já estava enfraquecido e necessitou de reforço.
Com o pau-de-carga e o flutuador finalmente prontos novo problema surgiu; o aparelho era 9 metros mais curto do que o necessário, Dickinson pensou que o navio podia estar deslizando para o fundo. Apesar dos cálculos iniciais, sua instalação foi feita mais perto do nível do mar e o flutuador, onde estava apoiado o pau-de-carga foi adiantado para que ele posicionasse o sino acima e no ângulo correto para funcionamento sobre os destroços.
 
No dia 11 de abril ele estava finalmente pronto para o trabalho, elevando-se a 12 metros acima da superfície, podia movimentar o sino com eficiência.
Um elaborado sistema de polias e cabos permitia que a plataforma de elevação do sino e a bomba de ar fossem posicionados em qualquer parte dos destroços.
Foram fixadas âncoras no topo do rochedo e três cabrestantes (guinchos) do H.M.S. Lightning.
 
Eles recolhiam e soltavam os cabos que controlavam a posição do pau-de-carga e desciam e içavam o sino. Segundo o Comandante Dickinson "Esses foram os três dias mais árduos de todo o empreendimento".
Durante esses três dias de bom tempo, os marinheiros trabalhavam mais de 12 horas, sem descanso e sem sequer parar para comer. Faltava apenas prender o grande sino de mergulho ao sistema de polias do pau-se-carga, o que foi concluído em 6 de maio, com o trabalho de mais de 50 homens.
 
No dia 11 de maio de 1831, como o tempo bom, o sino maior fez a primeira descida bem sucedida. Muitos dólares, ouro e prata, além de canhões, foram trazidos à superfície. No dia 13 de maio, Dickinson entregou 123.995 dólares ao Comandante W.F.W. Owen do H.M.S. Eden, para serem enviados a Inglaterra.
O Warspite, a mando do almirantado, retornou a capital. Sem a lancha e tripulação do Warspite, Dickinson alugou um barco brasileiro para não deixar o sino menor parado.
O mau tempo continuou a atrapalhar o resgate; no dia 19 de maio, uma tempestade com ondas que atingiam mais da metade do penhasco, arrancaram da plataforma as bombas de ar jogando-a no mar e partiram o pau-de-carga a seis metros de sua base.

Utilizando o barco alugado, os marinheiros conseguiram recuperar as bombas de ar e o sino maior; porém o pau-de-carga quebrado e a plataforma sofreram tantas avarias, que não puderam mais ser utilizados.
Todo o equipamento permitiu apenas o resgate de cerca de 50.000 dólares.
Decidido a continuar o trabalho, Dickinson mandou construir outro sino de mergulho enquanto continuava o trabalho com o sino menor instalado no barco alugado. No entanto outra tempestade destruiu também o sino menor. Mais uma tragédia abateu-se sobre a equipe quando um dos barcos de apoio afundou e afogaram-se o engenheiro Moore e mais dois homens.
  

Sistema de erguimento do sino suspenso por cabos
 

O novo sino, possuia 2,7 X 0,90 metros de altura e era reforçado com barras de ferro. Seu lastro, pesava 2 toneladas. Duas placas de vidro iluminavam o interior. Um tubo fornecia ar, através de uma válvula na parte de cima. Este equipamento resgatou 126.500 dólares, que foram levados a Inglaterra em 26 de junho pelo H.M.S. Calypso.
Em abril de 1931, o Lightning foi chamado de volta ao Rio de Janeiro, para reforçar a esquadra. Na capital, haviam conturbações populares, com tomada de fortes e instabilidade política causada pela abdicação de Dom Pedro I em favor de seu filho e sua partida para Portugal. Os ingleses desejavam proteger os interesses dos súditos da rainha em terras brasileiras. Dickinson só foi autorizado a retomar os trabalhos no final de agosto, quando a situação estava controlada.

 
Com o pau-de-carga partido Dickinson decidiu tentar o projeto original. O sino de mergulho seria operado, suspenso por cabos atravessados pelo alto da enseada. Em 9 de outubro, o sino começou novamente a operar suspenso sobre a enseada. As rochas do penhasco cediam sob o peso do sino, e os grampos de ancoragem dos grossos cabos, tinham de ser recolocados a curtos intervalos de tempo.
 
Cargas pesadas como as 4 âncoras, correntes e a maioria dos canhões, eram pesadas demais para a parelha de burros que puxava a carroça na rampa; elas permaneciam em uma plataforma na rocha, de onde eram embarcadas diretamente nas lanchas.
Crescia entre a população do Cabo Frio as especulações quanto à atividade dos Ingleses na vila de Saint Thomas. Haviam boatos de que Dickinson construíra uma fortificação e tomara posse da ilha de Cabo Frio. Em 12 de outubro de 1831, chegaram a vila se Saint Thomas, sete funcionários municipais, vindos do Cabo Frio, para investigar a mando da coroa, as atividades de Dickinson.
 
FIM DOS TRABALHOS
Em fevereiro, o comandante-em-chefe da esquadra Inglesa na América do Sul visitou o local por dez dias. Em março de 1832, o Comandante Thomas Dickinson recebeu do almirantado britânico ordens de transferir a operação de resgate da Thetis ao Comandante J.F.de Roos, capitão do Algerine.
Os trabalhos já duravam praticamente um ano. Dickinson, e muitos dos seus homens, estavam doentes, com dores no peito e desinteria causada pela chuva e pela água salobra conseguida na região.
Dickinson deu instruções ao comandante Roos, a seus oficiais e homens sobre a operação do equipamento e condições locais. Listou o material resgatado, e marcou outros objetos a serem recuperados. No dia 10 de março, Dickinson passou o cargo ao comandante Ross e retornou ao Rio de Janeiro. No dia 13 de março de 1832, encerrou sua empreitada na H.M.S. Thetis.
Sob o comando de Dickinson, foram salvos a maioria dos canhões, ouro e prata. Ao comandante Roos coube a tarefa de recuperar apetrechos mais pesados e difíceis e ainda, localizar parte do tesouro, muitas peças estavam abaixo de grandes blocos de rocha.
As operações de resgate do tesouro da H.M.S Thetis, foram oficialmente encerradas em 24 de julho 1832. O comandante Roos retornou com o Algerine ao Rio de Janeiro em 19 de agosto, encerrando o primeiro grande resgate de tesouros subaquáticos do Brasil.