TÉCNICA DE MERGULHO | |
Mergulho em Naufrágios | |
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Revista
Mergulhar ano VII, Nº49, junho 1989 | |
Texto:Maurício
Carvalho | |
OBSERVAÇÃO:
É importante lembrar, que desde a publicação
do artigo, muitas técnicas de mergulho foram aperfeiçoadas e adotadas.
Assim o texto técnico, deve servir como fonte de pesquisa histórica,
não devendo ser as técnicas de mergulho tomadas como as melhores
e mais atuais. | |
Os
naufrágios despertam em todos os mergulhadores uma sensação de mistério e excitamento,
sendo um dos locais preferidos quer para pesquisas quer para lazer. No entanto,
é bom saber que devem ser observados alguns cuidados para que este tipo de mergulho
possa proporcionar uma
experiência incrível. | |
Costuma-se
designar como naufrágios os destroços de navios, submarinos, aviões ou até mesmo
carros. Multas vezes, os mergulha-dores aventuram-se sem conhecerem alguns conceitos
básicos de segurança de mergulho em naufrágio, tor-nando o passeio una perigo
em potencial. Em princípio, podemos dividir os naufrágios em duas categorias distintas em função da técnica que deve ser empregada na sua exploração: o primeiro tipo é o naufrágio desmantelado, aquele onde os destroços já se encontram totalmente desmontados, espalhados pelo fundo; o outro, que requer maiores cuidados, é aquele que ainda está intacto, ou seja, que possibilita ao mergulhador penetrar no in-terior da superestrutura. | |
Naufrágio desmantelado | |
Os
riscos neste tipo de mergulho são menores, já que não existe uma superestrutura
sob a qual o mergu-lhador permanecerá. Mesmo assim, alguns cuidados são úteis. Observe atentamente se o casco do navio está partido e caído no fundo; pode acon-tecer de você estar vendo apenas o convés da embarcação e o casco estar sob a areia. Para ter certeza da ruptura do casco, tente encontrar o cavername (estruturas, como costelas que sustentam as laterais do casco) do navio. Pequenas peças, como guinchos e amarradores, prosas ao convés, assim como as vigias, são bons indicadores da posição do casco. Verifique a distribuição das partes dos destroços. Muitos navios partem-se ao meio e durante o afundamento pela explosão das caldeiras algumas partes podem afastar-se por milhas, devido, inclusive, à ação das correntes marinhas. No entanto, em um naufrágio desmontado, a cobertura de par-te da estrutura por areia pode vir a dar a impressão que o navio termina antes da hora. Nestes casos, vale uma varre-dura em torno da última parte encontrada. Grande parte dos navios afundados encostados em terra encontram-se com a proa na parte mais rasa; não se esqueça que o mergulhador deve começar a incursão pelas partes mais fundas e vir subindo (Mergulhar, Nº 12, Mergulho em Costões) para evitar erros nos tempos de mergulho e descompressão. Quando os navios encontram-se nesse estado de des-monte, peças soltas podem tornar-se potencialmente perigosas, quando contra elas esbarramos, isto por dois motivos: estruturas pesadas mal apoiadas podem cair sobre o mergulhador ou as lâminas cortantes formadas pelo apodrecimento do metal podem, no mínimo, es-tragar a roupa. Em tais circunstâncias, luvas mais grossas e joelheiras constituem-se em boa proteção. Além disto, um bom equilíbrio hidrostático, que mantenha o mergulhador estável sobre os destroços, ajuda muito. Neste caso, o colete é fundamental. A natação deve ser lenta e cuidadosa. Qualquer corte ocorrido nas ferragens de um naufrágio deve ser seguido de uma criteriosa acepsia, a qual deverá incluir a vacina anti-tetânica. Pequenos compartimentos devem ser tratados com cautela: naufrágios são ótimos abrigos para moréias, meros, alguns tubarões e outros que uma vez molestados podem causar problemas. Um antigo galeão dificilmente terá seu casco preservado, mas é bastante interessante observar canhões e balas que o equipavam; por isso, mesmo neste caso, um naufrágio desmantelado continua a ser uma excelente opção para mergulho. | |
Naufrágio intacto | |
No caso de naufrágio intacto, o mergulhador encontra-se numa situação de mergulho
em gruta, pois além da pouca luminosidade, há um teto acima de sua cabeça, sem
falar nos intrincados corredores do navio, dificultando o mergulho. Nesta hipótese,
alguns cuidados fundamentais são imprescindíveis: em primeiro lugar, uma exploração
externa do casco para identificar com exatidão onde se encontram portas, entradas
de porões, rombos no casco e outras aberturas que provenham o interior do naufrágio
de luz e possibilitem a saída do mergulhador. Antes de penetrar no casco ou casario, pare por al-guns instantes na entrada e procure escutar possíveis barulhos que emanem do interior: devido à correnteza, peças soltas podem estar batendo contra a estrutura me-recendo atenção especial. Você, desta forma, estará também acostumando sua visão à baixa luminosidade dos compartimentos. Para penetrar no naufrágio, faça-o com cuidado, nadando lentamente para que você possa ir mapeamento os compartimentos mentalmente. Procure constatar sempre, antes de entrar em uma nova sala, se sua entrada está livre e se há risco de ser obstruída; memorize alguns referenciais pelo caminho. Utilizar um cabo guia também é uma boa alternativa, porém alguns cuidados devem ser tomados com o seu uso (Mergulhar, Nº 32, espeleo-sub): não se esqueça de retirá-lo ao sair do destroço as estruturas já são bem intrincadas com cente-nas de cabos, vigas e outros ferros que cruzam o caminho, assim um próximo mergulhador não deverá ter problemas adicionais como nylons e outros finos cabos deixados por outros exploradores. Mantenha constante monitoramento sobre a visibilidade da água: mesmo que você tome cuidado para não levantar, com as nadadeiras, o sedimento que quase sempre se encontra pousado no fundo do navio, as bolhas de ar liberadas na res-piração chocam-se com o teto e as paredes soltando fragmentos que proporcio-nam uma constante chuva de partículas, turvando parcial-mente a água. Bater em estruturas cobertas de incrustações, para tentar soltá-las, é uma atitude perigosa, pois os impactos podem derrubar peças sobre o mergulhador e, geralmente, acarretará a liberação de material que ficará em suspensão na água. As bolhas de ar causam, também, um outro efeito no interior dos compartimentos. Com o acúmulo destas bolhas, formam-se bolsões de ar que podem causar o desequilíbrio de peças ocas, as quais, pela falta de sustentação promovida pela água, partem-se liberando o ar contido, afundam, podendo cair sobre você. Estes bolsões podem ser notados pela aparência espelhada no alto do compartimento. Caso você queira ver o que há neles, vá subindo lentamente com o braço erguido, assim, você descobrirá a espessura da camada de ar, protegendo a cabeça. Mesmo que exista muito ar, ele não deve ser respirado, devendo o mergulhador permanecer com o regulador na boca. Isto porque, os bolsões podem possuir altas pressões parciais de dióxido de carbono e baixas de oxigênio, além da possível presença de gases tóxicos produzidos pela decomposição de organismos mortos que recobriam o teto e as paredes antes do local ser preenchido com ar, ou pelo apodrecimento do material ferroso do casco. | |
Recomendações finais | |
Um equipamento fundamental para essas incursões são as lanternas que, preferencialmente,
devem ser duas quem já se viu no inte-rior de um naufrágio com a lanterna a falhar,
como eu, sabe a importância de uma reserva. Uma boa regra quanto à autonomia de ar é utilizar o mesmo comportamento requerido em espeleo-sub, Mergulhar, No 32, ou seja, usar somente 1/3 do ar disponível para penetrar no naufrágio, reservando os 2/3 restantes para a saída. Desta forma, você estará prevenindo-se de uma possível de-mora na saída causada quer por desorientação quer por enganchamento. No caso de sentir-se preso em sua natação, mantenha a calma, deixe o corpo escorregar para trás novamente e, tateando o corpo e o equipamento, procure o provável agente da retenção; não é raro que parafusos, maçanetas e outras peças prendam mangueiras, alças e outras partes soltas do equipamento. A atenção de um companheiro com o outro deve ser redobrada. É aconselhável que antes de sair para um naufrágio você faça uma pequena pesquisa sobre o seu objetivo, ou seja: 1) Por que o navio afundou? As condições geográficas e meteorológicas já dão boa dica do que você vai encontrar: seria ridículo ba-ter no mesmo recife traiçoeiro que afundou a embarcação; 2) Qual o tipo do navio? Um cargueiro com amplos porões tem uma estrutura bem simples se comparado com um submarino ou navio de passageiros, com seu intrincado conjunto de vigas; 3) A possível carga transportada já foi recuperada? Esta pode ser perigosa ao mergulhador no caso de explosivos ou produtos químicos que merecem um manuseio adequado; 4) Qual é o material de construção e o ano do acidente? Darão informações das condições dos destro-ços. Uma pequena pesquisa pode revelar coisas interes-santes sobre o que se vai encontrar. Em muitos naufrágios preparados do Caribe e EUA, várias medidas de segurança são adotadas, tais como: a-bertura de duas saídas em todos os compartimentos; fechamento definitivo de aces-sos estreitos e labirínticos, etc. Porém, no Brasil, os naufrágios estão abandonados a sua própria sorte, multas vezes com os riscos agravados por explosões do casco com o intuito de retirar partes valiosas do interior. Assim, não estranhe a ausência de escotilhas, hélices e outras partes que são roubadas pelo valor de seus metais. Um bom treinamento é fazer visitas a navios no porto para criar uma familiaridade com estas construções. Desta forma, fica mais fácil identificar onde se está. Ocorre com freqüência ficar-se desorientado num navio caído de lado ou inclinado. As portas, que já são estrei-tas, parecem ainda menores e os corredores tornam-se um intrincado labirinto. Se levado a cabo com alguns cuidados, um mergulho em naufrágio pode proporcionar uma experiência incrível. | |
Lista
de informações básicas de alguns naufrágios da costa
brasileira |
navio | ano de afund. | local | prof. | tipo e tamanho | carga | estado do naufrágio | motivo do afund. |
Buenos Aires | 1890 | Ilha Rasa (RJ) | 18/42m | passageiro/120m | louças, óleo de ricino | desmantelado | bateu na ilha |
Pingüino | 1967 | Enseada do Sítio Forte(Angra dos Reis) | 7/20m | cargueiro | cera de carnaúba | inteiro | incêndio |
Aquidaban | 1906 | Pta.
da Jacuacanga (Angra dos Reis) | 5/20m | couraçado/80,4m | material bélico | desmantelado | explosão |
Thetis | 1830 | I.
de Cabo Frio (Arraial do Cabo) | 8/25m | fragata | ouro, prata | desmantelado | bateu na ilha |
D.Paula | 1826 | I.
dos Franceses (Arraial do Cabo) | 5/15m | fragata | canhões, balas | desmantelado | bateu na ilha |
Rosalina | 1939 | Parcel
dos Abrolhos (Caravelas - BA,) | 0/20m | cargueiro/93,6m | cimento, cerveja | inteiro | bateu nos recifes |
Velasques | 1908 | Ponta
da Sela (Ilha Bela - SP.) | 12/14m | pass./carg./120m | correio | desmantelado | bateu na ilha |
Príncipe de Astúrias | 1916 | Ponta
da Pirabura (Ilha Bela - SP.) | - | transatlântico | - | desmantelado | incêndio |
Cavo Artemides | 1980 | Baía
de todos os Santos (Salvador - BA.) | 15/30m | cargueiro | ferro gusa | inteiro | bateu no banco de areia |
Lili | - | Ilha
das Gales (Bombinhas - SC.) | 6/17m | cargueiro | perfumes, vidraçarias | desmantelado | bateu na ilha |
Tocantins | 1933 | I.
Queimada Grande ( Itanhaém - SP.) | 10/20m | cargueiro/114m | madeira | desmantelado | bateu na ilha |
Corveta Ipiranga | 1983 | Ponta
da Sapata (Fernando de Noronha) | 60m | corveta | material bélico | inteiro | bateu na laje |
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OBS: Na matéria original constam outros fotos. |
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Maurício
Carvalho é supervisor de mergulho em gruta. Mergulhador autônomo 3 estrelas. Acadêmico
de biologia. Fundador do GREC |