TÉCNICA DE MERGULHO
Mergulhando em Dupla

Revista Mergulhar, ano VII, Nº 48, abril 1989
Texto: Maurício Carvalho
 
OBSERVAÇÃO: É importante lembrar, que desde a publicação do artigo muitas técnicas de mergulho foram aperfeiçoadas e adotadas. Assim o texto técnico, deve servir como fonte de pesquisa histórica, não devendo ser as técnicas de mergulho tomadas como as melhores e mais atuais.
 
Uma das regras básicas para o mergulho é que este seja sempre feito com um companheiro. Alguns mergulhadores mais experientes não concordam muito, mas a presença de um dupla é fundamental caso aconteça algum problema que não dê para resolver sozinho.
Muitas vezes, durante as longas viagens de barco para mergulhar, me vi envolvido em discussões sobre a validade, ou não, da mais conhecida regra deste esporte que orienta os mergulhadores a jamais mergulharem sozinhos. Os experientes alegam que a atenção dispensada ao companheiro poderia ser mais útil se fosse mantida sobre si próprio, aumentando assim os cuidados durante a incursão subaquática, já que se perde dema-siada atenção evitando que o companheiro se distancie, entre outras coisas, por nadar rápido demais, enquanto se está olhando aquele peixe incrível. Os constantes esbarrões e pancadas com as nadadeiras também são mo-tivos de reclamação. Outro argumento é que pouquíssimos sabem o procedimento para o resgate do companheiro que porventura perca a consciência ou a mobilidade no fundo.
Por essas razões, não deixam esses mergulhadores de ter uma dose de razão, restando-nos lembrar as inúme-ras vezes que o amigo mostrou aquela anêmona que passou despercebida e a ajuda na hora de colocar o equipamento quando o barco jogava muito. Para tentar melhorar essa comunhão entre os mergulhadores, que muitas vezes sentem-se constrangidos em fazer crítica ao colega, procuramos resumir aqui alguns meios para minimizar o problema, lembrando que a observância aos padrões de comportamento e segurança são o passo inicial para o bom entendimento.
Bom relacionamento
O bom entendimento entre mergulhadores começa no barco, visto ser neste que a maior parte do tempo va-mos manter contato. Uma boa conversa sempre serve para tirar as dúvidas, saber das novidades e conhecer um pouco o companheiro novo. Esta análise não serve como forma de comparação entre a capacidade dos mer-gulhadores, mas como meio de analisar que tipo de mergulho se pode afirmar com segurança.
É muito comum que mergulhadores não queiram pedir auxílio para equipar-se por preconceito: se o fato de conseguir segurar uma garrafa com um barco balançando fosse prova de capacidade, não teríamos inúmeros mergulhadores excelentes por aí, pois multas mulheres e também alguns homens não têm força muscular para esta tarefa. Já me vi multas vezes em embarcações onde não conseguia nem ficar em pé, que dirá colocar a garrafa nas costas, e em um bom número de vezes as condições do mar não permitiram efetuar esta manobra na água.
Por todos os motivos acima citados, fique atento ao seu companheiro e até a outros mergulhadores: nunca se sabe quando aquela alça do back vai resolver prender uma mangueira do regulador. Em barcos muito peque-nos ou coai muitos mergulhadores é mais eficiente que cada um ajude ao seu dupla a colocar o cilindro, pois desta foram evita-se tombos perigosos quando se está todo equipado em um convés repleto de equipamentos.
Na hora da entrada na água, o material fotográfico e lanternas devem ser passados do mergulhador que ainda está no barco para o primeiro que caiu na água, pois desta forma evita-se que, com o choque, possa haver danos no sistema de vedação destes mecanismos.
Igualdade em tudo
É importante que parceiros tenham o mesmo ritmo de equipagem, para que eles estejam prontos para entrar na água na mesma hora. É terrível ter que ficar "assando" dentro da roupa, todo equipado, debaixo do Sol, enquanto o companheiro começa a equipar-se calmamente, ou entrar na água cedo demais e começar a perder calor desnecessariamente, calor este que muitas vezes faltará no final do mergulho. Se você é muito lento para equipar-se, conhece antes: colocar a roupa molhada no corpo, instalar os reguladores na garrafa e verificar a pressão são atitudes que poupam muito tempo e podem ser feitas antes mesmo que o barco pare.
Um dos aspectos que mais contribuem para o sucesso de uma parceria durante o mergulho é que os objetivos sejam próximos. E muito difícil que dois mergulhadores fiquem satisfeitos com o resultado de um passeio quando um queria fazer macrofotografia e o outro conhecer todo o costão de tuna ilha; por isso, é fundamental discutir os objetivos a que a dupla ou o grupo se propõe. Desta forma, ajustam-se melhor os interesses de cada um. Nesse momento, vale consultar a Carta Náutica e ouvir a orientação de quem conhece o lugar.
Enquanto se está sob a água é necessário que os companheiros tenham um mínimo de capacidade de comu-nicação. Para isto, é suficiente que os mergulhadores conheçam os códigos de sinais manuais (Mergulhar n° 3) e, para os mais comunicativos, o alfabeto dos surdos-mudos. Quanto à comunicação subaquática, vale frisar que comentários mais complexos ou explicações devem ser reservados para a superfície, pois na maior parte das vezes só servem para confundir, e o companheiro, irritado com a pantomima, acaba confirmando que en-tendeu pelo cansaço. Algumas vezes já identifiquei como narcose interpretações mais eloqüentes de arraias, tartarugas e caranguejos. Para solucionar este tipo de problema, recomendo o uso de uma planilha subaquática onde, inclusive, você já pode deixar escritas alguns frases de uso mais comum, bastando apontá-las ao companheiro quando desejar.
Numa relação de mergulho convém que não só os objetivos dos participantes, mas também os equipamentos sejam semelhantes. Dois mergulhadores com garrafas de volumes muito diferentes podem ter problemas, visto que provavelmente aquele corta mais volume terminará o mergulho ainda com muito ar no cilindro, ou o que possui o menor volume tentará esticar o mergulho o mais possível, e isto é uma prática perigosa. Desta forma, é recomendado que parceiros tenham a mesma autonomia. Não é nada agradável voltar para casa com a metade da pressão do cilindro. Algumas vezes o volume de ar é igual, porém o consumo, o dos mergulhadores é muito diferen-te. Fatores como tipo físico, estresse e frio influenciam na taxa de ar utilizada, daí a importância de uma respiração normal e controlada.
A quantidade ou tipo de roupa de mergulho pode determinar uma incompatibilidade para os mergulhadores, bastando para isso que um companheiro não possa sua a roupa completa ou devidamente ajustada e por causa do frio não agüente permanecer tão fundo quanto os parceiros. Por fim, é bom que na escolha dos companheiros exista pelo menos um relógio e um profundímetro para cada dupla, evitando-se, assim, possíveis problemas no controle do ar ou descompressão.
Evitando problemas

Procure evitar mergulhar com grupos formados por parentes, amigos próximos ou casais, pois, em caso de emergência, é muito provável que eles se preocupem em socorrer em primeiro lugar as pessoas próximas independendo do seu grau de necessidade.
Um bom companheiro de mergulho nem sempre é aquele com o melhor equipamento ou muito menos, com o físico mais avantajado, embora um equipamento em boas condições e bem manuseado possam indicar um possível bom companheiro.
Problemas bastante comuns entre mergulhadores aparecem durante o mergulho. Um dos mais freqüentes é a velocidade de natação e este fator é responsável por inúmeras perdas de contato visual entre os mergulhadores, principalmente em águas mais estufas. É terrível quando sê tem que abandonar um peixe ou outro animal, que pela primeira vez se viu mergulhando, pois já se observa o companheiro distanciando-se em nado acelerado. Em naufrágios e grutas isto torna-se dramático pelo caráter labiríntico do terreno, fora a presença de um teto que impede uma subida livre, se necessária; por isso, controle a sua natação: não adianta nadar todo um costão e depois ouvir os comentários no barco sobre a fauna e não ter visto nada do descrito. A velocidade de natação de um grupo tem que ser igual à velocidade do mergulhador mais lento do grupo. Desta forma, diminui-se a possibilidade de perder alguém pelo caminho.
Procure nadar com calma, evitando ficar muito próximo ao companheiro, para que ele tenha mobilidade e vocês não fiquem sujeitos a encontrões; evite passar nadando acima da cabeça do outro mergulhador, o que pode parecer atitude de atrapalhados, mas é fato bastante comum ocorrerem colisões que multas vezes arrancam a máscara do outro; verifique sua posição em relação ao dupla e procure calcular também a localização do barco ou ponto de entrada na água.
Convém que os companheiros tenham uma capacidade física próxima para que o ritmo empregado por um mergulhador não coloque o outro em estado de exaustão. Já aconteceu comigo de estar na parte mais batida de um costão e o companheiro avisar que precisava sair por não agüentar mais nadar.

Perda de contato
Um bom entrosamento entre os parceiros é uma boa maneira de evitar a perda de contato embaixo d'água, mas caso haja este afastamento, procure observar o ambiente a sua volta. Às vezes uma grande pedra oculta o companheiro por alguns segundos; faça um reconhecimento de 360º e observe diretamente sobre sua cabe-ça, pois ele pode estar nadando em cima de você. Não obtendo sucesso, procure pelas boIhas dele, que evidenciam sua posição e são mais fáceis de visualizar do que o parceiro junto ao fundo; faça um giro lentamente para evitar passar por ele durante suas inspirações.
Pense no que o companheiro estava fazendo na última vez que foi visto; você pode ter sê distanciado enquanto ele estava entretido com alguma observação ou fotografia; sê você mergulha com um fotógrafo, é quase que uma obrigação sua mater o contato, pois este, ao observar o alvo a ser fotografado, fica absorvido nos ajustes necessários à foto. O próximo passo na busca do parceiro seria nadar lentamente na direção da mais provável posição dele; leve em conta fatores como profundidade e correnteza; se ele é um bom mergulhador, dificilmente irá à profundidades maiores do que as estabelecidas ou tornará a atingir estas profundidades depois de iniciada a subida, como, por exemplo, nos mergulhos em paredões. É comum em lugares de muita correnteza que mergulhadores concentrem-se em nadar para alcançar locais de remanso; por isso, seu companheiro pode já es-tar à frente se você parou para observar algo. Não nade mais do que a distância correspondente à visibilidade da água, pois uma escolha errada da direção poderia agravar o problema. Não obtendo êxito suba alguns metros e faça um giro observando o fundo a sua volto, pois, desta forma, você estará também facilitando a sua localização.
Sê, por fim, nenhum desses procedimentos surtir efeito e tendo-se passado algum tempo, resta uma subida para a superfície para um reagrupamento. Lembre-se, porém, que uma subida de 30m para um reencontro com o parceiro, após alguns minutos de submersão, pode praticamente encerrar o mergulho. Desta forma, com o aumento da profundidade ou perda de visibilidade pela água escura (mais esclarecimentos veja Mergulhar nº 5) deve ser aumentado o controle sobre o posicionamento do companheiro.
 
OBS: Na matéria original constam outros fotos.

 
Maurício Borges de Carvalho é Supervisor de Mergulho em Gruta. Mergulhador autônomo 3 estrelas. Acadêmico de biologia. Fundador do GREC.
  

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