TÉCNICA DE MERGULHO

Grutas Marinhas


 
Jornal Sub, ano II, Nº 13, outubro 1992
Texto e Ilustrações: Maurício Carvalho
 
O mergulhador, pela própria natureza, é um curioso. E como tal, é impossível para ele resistir à investigação. Isoladas do ambiente marinho, pela ausência de luz, as grutas criam sob os oceanos um universo paralelo, que guarda jogos indescritíveis de luz e sombras, e abrigam animais em profusão tornando-se uma vitrine para o explorador que ouse penetrar neste véu de obscuridade. Apesar de sua beleza poética, as grutas cobram de seus amantes o domínio de técnicas que permitirão diagnosticar e solucionar os possíveis riscos de uma incursão a este ambiente de espaço restrito.
Quando a rocha de uma montanha entra em contato direto com o mar, forma-se o que chamamos de falésia. A partir daí, começa um lento processo de desgaste da rocha - intemperismo -, causado pelo vento, variações de temperatura e, principalmente, pelo atrito com a água do mar, quando as ondas chocam-se contra o costão. O trabalho contínuo do intemperismo, durante milhares de anos, muitas vezes, cava na rocha fendas e até cavernas, com salões, corredores e clarabóias (Fig. 1).
O primeiro passo para uma boa incursão é o reconhecimento da gruta. Aproxime-se lentamente da entrada, dando tempo para que os olhos se acostumem com a iluminação interna. Alguns segundos parado junto a entrada serão suficientes para que você comece a enxergar o interior. Aproveite também este tempo para investigar a disposição das galerias e a existência de outras saídas. Devido ao formato de labirinto, certifique-se de que será capaz de encontrar o caminho de volta às águas abertas. Durante mergulhos noturnos, não há contraste entre a saída e as paredes da gruta, dificultando sua localização. Por isso, evite mergulhar à noite.
O maior cuidado nos mergulhos em grutas marinhas deve ser com o fluxo e refluxo da água provocados pela força das ondas. Este efeito pode deixar o interior da gruta bastante agitado, impedindo o mergulhador de retornar ao exterior. Nesta condições, choques contra as paredes seriam praticamente impossíveis de serem evitados.
É fácil observar pelos desenhos da figura 1 que a água, forçada pelas ondas, através dos estreitos corredores, produz correntes muito mais fortes que as encontradas no exterior da gruta. Para prevenir-se de uma situação que o impeça de, nadando, vencer a corrente, observe, enquanto estiver parado na entrada da gruta, se o movimento da água não está forte.

Caso seja pego pela sucção da água, relaxe, respire profundamente, segure-se no fundo, enquanto a água o empurra para o interior da gruta - fluxo -, aproveitando o refluxo para nadar a favor da corrente. Deste modo, você conseguirá sair lentamente. Outro efeito importante do movimento da água no interior da gruta é a variação do nível da superfície. Este efeito pode tornar-se tão violento dentro de uma clarabóia - abertura no teto da caverna - , a ponto de inviabilizar totalmente o mergulho. Observe pela figura 1 que o primeiro salão da gruta une-se ao segundo (clarabóia) através de um conduto estreito.
Com isso, a variação de nível que ocorre no primeiro salão é transferida para o segundo com efeito ampliado, por ser este último menor do que o primeiro.
Conhecido em física como teoria de vasos comunicantes, este sistema de funcionamento (semelhante a uma cadeira de dentista, a um freio hidráulico ou aos elevadores que suspendem automóveis em postos de gasolina), transforma uma pequena força aplicada em uma grande área, em uma grande força atuando sobre uma pequena área.
Este fenômeno pode ser provocado matematicamente (ver quadro ), através do Princípio de Pascal.Imagine que o salão exterior tenha um volume de água maior que o salão da clarabóia, e que o mar produza, pelo efeito das ondas, uma variação deste volume. A força das ondas será transmitida à água, que empurrada pelo conduto de ligação, produzirá no segundo salão uma variação de igual volume. Como a área (da base) do segundo salão é menor, o nível resultante da superfície será maior (Fig 1).
O que ocorre é o seguinte: se no salão 1, que possui um volume de água quatro vezes maior do que o salão 2, for provocada uma oscilação do nível da superfície, este produzirá no salão 2 uma alteração quatro vezes maior no nível do mar. Ou seja, uma variação de um metro no salão 1 acarretaria uma variação de quatro metros no salão 2.
Mesmo em dias calmos, oscilações de um metro são comuns no mar, imagine, então, o que ocorreria durante uma ressaca se o salão exterior possuísse dez ou 20 vezes o volume do salão da clarabóia.
Esta projeção mostra bem que a entrada neste tipo de gruta depende de um mar sem ondas, uma vez que estas, quando fortes, tornarão o interior da gruta um verdadeiro liqüidificador.
EQUIPAMENTOS
Como a movimentação da água no interior das grutas marinhas é mais intensa do que no exterior, é recomendável o uso de proteção extra. Luvas resistentes permitem um apoio firme e seguro, joelheiras permitem a proteção das roupas de pequenos cortes que geralmente ocorrem quando o mergulhador é obrigado a nadar junto ao fundo para passar em locais estreitos; nadadeiras curtas favorecem a movimentação nas galerias estreitas e permitem fazer manobras, facilitando a natação. Uma máscara de pequeno volume minimiza a desagradável sensação de opressão ou folga no rosto causada pelo fluxo e refluxo do mar.
Mesmo que penetre luz na gruta, uma pequena lanterna será útil para realçar detalhes nas áreas escuras. Entretanto, tome o cuidado de prende-la no colete, junto ao peito, evitando que bata constantemente contra o fundo.
Em relação ao regulador, os cuidados devem ser no sentido de evitar impactos do primeiro estágio contra o teto da gruta e cortes na mangueira do segundo estágio ao arrasta-la contra as paredes. Muitas vezes, em corredores estreitos e baixos, é necessário passar a mangueira sob a axila e inclinar ligeiramente o corpo para um dos lados, facilitando a passagem do equipamento.
Para finalizar com sucesso uma exploração, ao sair da gruta e antes de recomeçar a nadar, observe se seu parceiro também saiu e faça uma rápida checagem não equipamento, verificando se não existem vazamentos ou peças soltas causados pelo atrito nas paredes.
 

A Matemática da coisa

Considerando os salões como cilindros:

V1= Volume do salão 1
V2= Volume do salão 2
R1= Raio do salão 1
R2= Raio do salão 2
h1= altura da água no salão 1
h2= altura da água no salão 2
Volume de um salão: V= p . R2 . h

O raio do salão 1 tem o dobro do raio do salão 2 (R1 = 2 . R2), ou seja:

V1 = p . (2 R2)2 . h1
V2 = p . (R2)2 . h2

Deslocamento de 1 metro na altura do salão 1 (h1 = 1 metro)
V1 = p . (2 R2)2 . 1 > V1 = p . (4 R2)2

Quando o mar força uma variação do volume no salào 1 o mesmo volume variará no salão 2.
Assim: (V1 = V2)

p . (4 R2)2 = p . (R2)2 . h2
Logo: h1 = 4 metros



voltar a biblioteca