Espeleologia subaquática,
Um resumo sobre as principais técnicas

 
Revista Sub Nº 1, inverno 1992
Texto e Ilustrações: Maurício Carvalho
 
OBSERVAÇÃO: É importante lembrar, que desde a publicação do artigo muitas técnicas de mergulho em cavernas foram aperfeiçoadas e adoptadas. Assim o texto técnico, deve servir como fonte de pesquisa histórica, não devendo ser as técnicas de mergulho tomadas como as melhores e mais atuais.
 
 
A atração ancestral do homem pelas cavernas -- primitivamente usadas corno morada -- estimula até hoje a nossa curiosidade.
O homem sempre teve um contato íntimo com as cavernas. Primitivamente, eram utilizadas como moradia. mas com o desenvolvimento da tecnologia, perderam essa função e tornaram-se alvo de nossa curiosidade. A busca do conhecimento levou muitos pesquisadores ase dedicarem realmente pela espeleologia -- estudos das cavidades naturais -- dispendendo grande esforço para vencer os obstáculos e atingir os belos salões que existem em inúmeras grutas.
Agora, qual seria a ligação do mergulho com essa ciência? Ocorre que, multas vezes, dentro dessas grutas existem lagos ou rios, e em algumas ocasiões, a passagem entre dois salões contíguos é completamente ocupada pela água, formado o que chamamos de sifão. Nessas circusntâncias elas, para alcançar um salão isolado, a única alternativa que resta ao espeleólogo é utilizar o mergulho.
Apesar de as águas das cavernas possuírem geralmente transparência inigualável, as grutas a representam condições especialmente adversas para a prática do mergulho. A ausência total de luz, os caminhos formando verdadeiros labirintos, o sedimento que, quando perturbado, turva totalmente a água e principalmente o teto da caverna -- que não permite o retorno à superfície, caso ocorra alguma problema - tornam a técnica do espeleosub delicada e exigem de seus praticantes um cuidado extremo no cumprimento desses parâmetros.
Um lista de problemas
Antes mesmo de Iniciar o mergulho, o espeleólogo Já se depara os primeiros problemas. Como transportar um equipamento tão pesado, como o de mergulho, para dentro da gruta, por exemplo? Embora existam lagos próximos à entrada da caverna, algumas vezes é necessário transportar o material, por quilômetros, no escuro, em terreno acidentado e até transpor abismos, que exigem conhecimentos da utilização de cordas e técnicas de alpinismo. Deste modo, os mergulhadores necessitam ser também exímios espeleólogos e o equipamento precisa estar cuidadosamente protegido dentro de mochilas.
0 ambiente da caverna deve ser rigorosamente analisado para garantir a segurança durante o mergulho. A origem do corpo d'água é importante, visto que, rios ou lagos podem ter suas condições alteradas rapidamente, se houver chuvas fores na região da gruta. Além da visibilidade terminar abruptamente, existe a possibilidade de o mergulhador ser atingido por detritos carregados por uma enxurrada.
A luz é um fator muito importante no espeleosub, a ponto de a técnica ser dividida conforme a penetração ou não de luz na água. Quando não existe luz suficiente, é preciso providenciar iluminação adequada. No mergulho em cavernas, são recomendadas no mínimo três lanternas possantes para cada mergulhador, reduzindo assim, a possibilidade de se ficar sem luz. Além de manutenção rigorosa, cabe ao mergulhador limitar o tempo de mergulho ao tempo de autonomia de suas baterias. Geralmente, nesses mergulhos utilizamos um par de lanternas colocadas em um capacete, além de uma mais potente na mão. As luzes no capacete permitem que haja um foco diretamente à frente dos olhos, deixando as mãos desocupadas para outras funções. Devem ser utiliza ainda, uma pequena lanterna presa ao cilindro, para marcar a posição do mergulhador, e outra para a iluminação dos instrumentos: computador. manômetro, bússola, entre outros.
A existência permanente de um teto sobre o mergulhador inviabiliza qualquer retorno à superfície para solucionar eventual problema. Assim, quando se está a 50 ou 100 metros dentro de um sifão, um pequeno contratempo pode tornar-se uma grande dor de cabeça.
O fato de não existir uma superfície também obriga o mergulhador a ter uma autonomia de ar suficiente para a exploração e o retorno ao ponto de partida. Para aumentar a segurança, adota-se a regra do 1/3, segundo a qual, apenas um terço do ar disponível dve ser usado na penetração do sifão, reservando-se dois terços para o retorno, com isto é garantido um bom suprimento de ar para sanar possíveis problemas na volta.
Além da regra do um terço, outros cuidados são imprescindíveis para que não ocorra falta de suprimento de ar. 0 equipamento de respiração necessito estar em perfeito estado e as fontes alternativas de ar são obrigatórias. Muitos mergulhadores optam por utilizar dois conjuntos completos de reguladores, prevenindo-se Inclusive para uma falha no primeiro estágio. 0 octopus de espeleosub tem mangueira longa, para permitir a respiração de um mergulhador, que, em um conducto estreito, tenha que nadar atrás do companheiro que lhe fornece ar.
Uma vez que o ponto de entrada é também a única saída, é obrigatório que o caminho de volta seja marcado com segurança. Além das galerias serem geralmente labirínticas, é muito comum existir no fundo um fino sedimento que, uma vez perturbado, reduza visibilidade a praticamente zero. As bolhas dos mergulhadores também agitam partículas depositadas nas paredes das galerias. Por todas estas razões, o equipamento mais importante nas práticas de espeleosub a carretilha com cabo-guia.
Levado todo o tempo pelo primeiro membro da equipe, o cabo é primeiramente preso a um ponto da saída, sendo desenrolado da carretilha, à medida que o mergulhador penetra nas galerias. Quando o retorno é iniciado, os outros mergulhadores da equipe utilizam-no como orientação, enquanto o responsável pela carretilha fecha a fila recolhendo o cabo. 0 cabo-guia, além de orientar a equipe pelo labirinto de túneis, serve ainda para medir o comprimento das galerias.
A utilização do cabo-guia requer alguns cuidados. 0 cabo deve ter flutuabilidade neutra para não levantar o sedimento; os sinais manuais sobre o uso do cabo-guia existentes precisam ser dominados; e um sistema de puxões, que permite a comunicação dos mergulhadores com a equipe de superfície, deve ser combinado.
A natação é uma das técnicas que o mergulhador de cavernas mais precisa treinar para preservar a visibilidade. 0 equilíbrio hidrostático e a batida de pernas precisam ser eficientes para mantê-lo longe do fundo. Sempre que o mergulhador se aproximar do fundo, ele deve executar uma batida de pernas em melo ciclo. Nessa técnica, os joelhos permanecem flexionados e a propulsão é conseguida através de curtos movimentos das pernas. Embora lenta, essa natação não agita o fundo.
Como multas vezes as galerias são estreitas, baixas, com curvas e rochas pontiagudas pendendo do teto, a natação tem de ser cuidadosa para evitar ferimentos. Muito eficiente no mergulho em gruta, o capacete; além de permitir a fixação de lanternas, protege a cabeça de pontas de rocha. Outros tipos de proteção, como joelheiras, também são úteis. Os componentes da equipe devem permanecer muito próximos, para prestar auxíilio imediato uns aos outros, no caso de um entalamento em uma passagem mais estreita, ou de outro problema qualquer.
Alcançando um salão sifonado
Quando existe um salão fora d'água, sua presença pode ser denunciada pela aparência espelhada da superfície. Ao emergir, a mão deve estar acima da cabeça, para evitar um choque com o teto, que pode estar a alguns centímetros acima da linha d'água. Um profundímetro deve acusar se o ar encontra-se em condições atmosféricas normais. Se o equipamento não estiver marcando 0 (zero) metro, significa que o bolsão de ar esta comprimido; assim sendo, o corpo continua a absorver nitrogênio e, mesmo na superfície, o tempo de fundo não deve parar de ser contado.
Se for necessário uma e exploração do salão, marque com uma lanterna o local da salda da água e onde o equipamento de mergulho foi deixado, facilitando assim, o retorno ao ponto de mergulho. Ao explorar um salão, utilize lanternas diferentes das usadas no mergulho, preservando as baterias para o regresso ao exterior
Se outras explorações no mesmo salão forem necessárias, o cabo-guia pode ser firmemente fixado a um ponto alto do salão, eliminando a necessidade de sua colocação no próximo mergulho.
Multas das técnicas de espeleosub podem ser aproveitadas em pequenas grutas marinhas e principalmente na exploração de naufrágios ainda intactos, onde as condições de falta de luz natural, caminhos labirínticos e a presença de um obstáculo entre o mergulhador e a superfície são comuns. Mergulhos em grutas não são mais perigosos que outras modalidades de mergulho, apenas exigem o domínio de técnicas especiais para que sua prática ocorra de forma segura e confortável.
 

 
 
Maurício Carvalho é biólogo e instrutor de mergulho, com especialidade em Rescue e Naufrágios, tendo sido supervisor de mergulho do GREC-DF.
 
OBS: Na matéria original constam outros fotos