Destino: naufrágio
Os números não mentem,
será...


 
Revista Mergulho, Ano XV - Nº 183 - outubro/2011
Texto Maurício Carvalho
 
Nas matérias sobre naufrágios do Brasil que circulam pela imprensa e na internet é muito comum depararmos com dados sobre os locais com maior incidência de naufrágios. Apontar o "triangulo das Bermudas Brasileiro" parece uma necessidade.
Regiões como o Parcel Manoel Luiz, Ilha Bela e Salvador, são com frequência apontados como o local do Brasil com o maior número de naufrágios.
Mas onde será que está a verdade, se é que ela pode ser determinada.
Para tentar apresentar um cenário mais real busquei dados no SINAU (Sistema de Informações de Naufrágios), um banco de dados que iniciamos em 1995 e que hoje cadastra cerca de 2200 naufrágios somente no nosso litoral. Rios e lagos não estão cadastrados. Exatamente pela dificuldade de registros primários oficiais e confiáveis.
O SINAU não é perfeito, mas com a dificuldade de documentação histórica que temos, ainda é uma grande ferramenta.
A primeira informação que devemos extrair é o número de naufrágios por estado. Ele permite ter uma ideia da distribuição dos acidentes por região do país (Gráfico 1) na busca dos grandes carrascos de nosso litoral.
 

Verificando as principais causas de naufrágios ao longo dos anos no Brasil, percebemos que os encalhes e choques contra a costa, estão em número seis vezes maiores do que combates navais. (Gráfico 2) Esses dados mostram como o mapeamento de nossa costa foi precário em grande parte da história do país.
No entanto, a observação direta desses números, também não representa por si só o cenário real de nosso país. A grande maioria dos naufrágios localizados está próximo aos grandes centros portuários. Isso refletiria a intensidade da navegação nesses locais, ou apenas nossa capacidade de localizar esses destroços próximos de onde pescamos, moramos e mergulhamos.

 
 

 

Gráfico 1
 
Gráfico 2

OS GRANDES CEMITÉRIOS DE NAVIOS

A Marinha do Brasil em suas publicações ao longo dos anos chamou atenção para áreas do litoral chamadas de "Máxima incidência de naufrágio". Entre elas estão:

A região da Ilha de São Sebastião (Ilha Bela), SP.).
A praia da Massambaba (entre Arraial do Cabo e Saquarema), RJ.
A região dos Recifes de Abrolhos, BA.
O Parcel Manoel Luís, MA.


Quando avaliamos regiões pequenas, pontos localizados por todo o litoral, verificamos que esses dados são realmente sólidos.
A marinha aponta para essa alta incidência de acidentes, razões como: condições meteorológicas, desvios magnéticos e condições oceanográficas, como correntes e recifes rasos.
Mas isso seria suficiente para confirmar a crença geral de que esses locais são realmente os grandes carrascos de navios da nossa costa?
Veja a tabela com os pontos notáveis de nossa costa e o número de naufrágios registrados:

Seriam esses dados confiáveis? ou eles poderiam estar corrompidos por problemas

de qualidade do registro histórico. É razoável acreditar que os estados mais desenvolvidos da união nos séculos passados, possuíssem registros oficiais e jornais mais precisos. Mas isso também é consequência do maior desenvolvimento econômico e por isso devemos admitir que o tráfego marítimo fosse maior nesses locais, o que deve ter ocasionado um maior número de acidentes.
Além de fatores econômicos e populacionais não podemos deixar de avaliar condições específicas de cada um desses locais.
Com certeza, minhas pesquisas acabam sendo direcionadas preferencialmente para o litoral do Rio de Janeiro onde resido. A cidade ter sido capital do país, com os principais jornais de época, também colaborou com o aumento dos números.
Vejamos por exemplo a alegação de alta incidência no Parcel Manoel Luís e Abrolhos. É certo que são regiões de muitos recifes e que até hoje não estão completamente mapeados, sendo assim, causa de fácil de acidentes. Porém, ambas as regiões são o meio de rotas marítimas, admitindo assim, um desvio para maior segurança da navegação.
Agora, compare com as Baías de Guanabara e Ilha Grande. Ambas as baías possuem portos movimentados desde o início da colonização do país e também são pontuadas de lajes submersas a poucos metros da superfície. Como nesses locais, não podia haver desvio da rota, o resultado não poderia ser diferente, muitos naufrágios.

 
Pontos Notáveis
Nº de Naufrágios


Rio Grande,RS.
166

Baía de Guanabara,RJ.
90

Baía de Todos os Santos,BA.
75

Recife,PE.
58

Baía da Ilha Grande,RJ.
42

Santos,SP.
32

Florianópolis,SC.
31

Natal,RN.
24

Abrolhos,BA.
24
10º
Ilha Bela,SP.
23
11º
Praia da Massambaba,RJ.
23
12º Parcel Manoel Luís, MA.
13
 

Já, locais como a saída da Lagoa dos Patos, na cidade gaúcha de Rio Grande, parece ganhar disparado como o grande carrasco de nosso litoral. As razões históricas são o intenso tráfego marítimo que permitiu boa parte do desenvolvimento das regiões internas dos estados do sul. O transporte de carvão para a região de cortumes e a exportação de peles e charque foi intensa durante todo o século IXX. Comércio, que quando prejudicado, acabaria por ser uma das razões da revolução Farroupilha. Mas isso é história para gaúcho contar.

Em um assunto povoado de lendas, mentiras e mistérios não poderíamos mesmo esperar uma precisão científica. Assim, nos resta continuar pesquisando a História Marítima de nosso país para que possamos um dia traçar um perfil confiável das tragédias e dramas que marcaram o desenvolvimento de nossa pátria.
Um trabalho sem dúvida difícil e talvez inesgotável, mas até que ele acabe, vamos mergulhando muito..., pois ao contrário dos naufrágios, não somos de ferro.

 

 

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.

 

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