Destino: naufrágio
Não deixe que o céu
caia sobre sua cabeça


Revista Mergulho, Ano XIII - Nº 162 - janeiro/2010
Texto Maurício Carvalho
 
Todos que já leram as aventuras de Asterix, o Gaulês, sabem que esses bravos e meio despreocupados guerreiros não temiam nada, a não ser que o mundo caísse sobre suas cabeças. Alguns mergulhadores de naufrágio parecem ser ainda mais bravos e muito mais inconsequentes, e nenhum medo os afeta.
Estava no Pinguino, em Angra dos Reis, em mais um curso de mergulho em naufrágio e, devido a um feriado, o navio fervilhava de mergulhadores, o que foi suficiente para me lembrar o tipo de loucuras que as pessoas podem fazer em um naufrágio.
Achei que já tinha visto de tudo no Pinguino. Lembro-me de uma ocasião em que quatro mergulhadores arrastavam- se pelo interior dos destroços, cada um segurando no tornozelo do companheiro a sua frente, uma verdadeira turma de elefantinhos de circo.
Desta vez, um mergulhador, que aparentemente estava em batismo, era conduzido pelo interior do navio por outro – que temo chamar de profissional – que o segurava pela torneira do cilindro, já que o “turista” mal nadava por conta própria e muito menos sabia o que era equilíbrio hidrostático.

 

Avaliação das condições estruturais do Pinguino
 

Rachadura que se alarga continuamente
no chão do porão de proa, indicando
que o navio está se abrindo.
  Quem me conhece sabe que não sou um instrutor radical, do tipo “nada pode”, mas acho que estão exagerando.
É certo que um navio inteiro pede uma penetração, mas é sabido por todos que frequentam esse naufrágio que ele está em péssimo estado de sustentação, pouco recomendável para alguém que se choca com as estruturas.
As penetrações devem ser feitas com extrema cautela e sempre precedidas por uma vistoria prévia, por um mergulhador que tenha conhecimento das estruturas do navio e mergulhe com regularidade no ponto.
Já ouvi diversas vezes que seria muito azar o naufrágio cair em cima do mergulhador. Expressões como: “exatamente naquela hora”, são desculpas usuais. Porém, isso nada tem a ver com sorte. O mau mergulhador é justamente o fator de perturbação para as estruturas e o barco que o conduziu, se estiver amarrado nos destroços, contribui ainda com mais tensão.
No caso do Pinguino, é imperativo que os barcos de mergulho, principalmente as embarcações mais pesadas, parem de amarrar nas peças do convés e na popa com maior deformação.
Se a amarração for muito necessária, deve-se utilizar o eixo do leme ou o mastro de vante, ponto em que o navio encontra-se mais íntegro e estável.
 

 
CINCO REGRAS PARA QUE O MUNDO NÃO CAIA SOBRE SUA CABEÇA
Como é praticamente impossível convencer os mergulhadores a não penetrar em naufrágios sem o treinamento necessário, aqui vão cinco regras de ouro para avaliar as condições de segurança antes de uma penetração. São diretrizes simples, que podem ser utilizadas sem um conhecimento técnico das estruturas dos navios. Nada tem de científicas e visam apenas facilitar a identificação de naufrágios, ou parte de naufrágios já instáveis, de forma a serem evitados.
 
1º ESCUTE O NAUFRÁGIO

Antes de iniciar a penetração, pare junto ao casco e se atente aos barulhos que vêm do interior dos destroços. Em caso de qualquer som como pancadas, rangidos ou de chapas dobrando, já deve ser cancelada a penetração. Naufrágios que se movimentam não oferecem segurança para penetração por apresentarem peças dinâmicas.

 
2º PRESENÇAS ESTRANHAS

Calma! Não estamos falando de fantasmas. Eles com certeza serão amigos de todos que visitarem esses túmulos com respeito e admiração pelo fato histórico. Falamos daqueles mergulhadores que pelas atitudes parecem não ter o menor grau de treinamento para circular no local.
Eles podem alterar repentinamente as condições do mergulho e destruir seu planejamento em poucos minutos. Frequentemente turvam a água, derrubam peças soltas e podem até mesmo romper seu cabo-guia. Alguns inclusive acreditam que se trata de uma linha de pesca que precisa ser removida – já vi acontecer.
 
3º PERDA DE CONTINUIDADE

Navios quebrados, torcidos 4o Regra dos 30º ou com o convés separado do casco já perderam a estabilidade.
Por isso, estão fora das condições consideradas seguras.
Quando os naufrágios sofrem alterações significativas de seu perfil original, eles devem ser deixados em “quarentena” por algumas semanas, garantindo-se que voltarão a ficar estáveis na nova condição.
 
4º REGRA DOS 30º

Antes de penetrar em um naufrágio, o mergulhador deve verificar as estruturas que dão apoio ao teto, como vigas, colunas, paredes ou mesmo outras peças. O ângulo de apoio entre o teto e a peça que o sustenta nunca deve ser maior do que 30 graus. Neste caso, devemos considerar que não há mais sustentabilidade e que a penetração não é segura.
 
5º DESMANCHE PERCEPTÍVEL

É muito comum encontrarmos nos naufrágios em fase de desmanche estruturas fixadas que se soltam em sequência, afastando ou abrindo continuamente. São tipicamente os casos do casco, cavername e da casaria. Essa perda de continuidade vai aumentando até que toda a estrutura torne-se instável. Como não é possível prever com exatidão científica esse momento, devemos interromper as penetrações quando os sinais do desmanche forem detectados.
 

Estruturas fixadas se soltam em sequência
  Não desejamos, com a apresentação dessas regras, incentivar mergulhadores a penetrarem em naufrágios. Muito pelo contrário. Elas servem para dar indicações ao mergulhador que deseja realizar esse tipo de mergulho, para procurar conhecimento técnico de naufrágio. Esse conhecimento nada tem a ver com a configuração e tipo do equipamento ou por onde você deve passar suas mangueiras.
Mergulhadores devem antes de tudo conhecer o ambiente onde desenvolvem sua atividade. Isso significa conhecer a gênese das cavernas, a fauna marinha que nos rodeia e a estrutura dos naufrágios.
 

 
 

Maurício Carvalho é biólogo, instrutor especialista em naufrágios, autor do SINAU (Sistema de Identificação de Naufrágios) e responsável pelo site Naufrágios do Brasil.

 

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