Após meses de pesquisa realizadas pelo mergulhador de naufrágio Ivo Lima Brasil Jr., o site Naufrágios do Brasil tem o previlégio de divulgar para todos que nos prestigiam a história real do navio Petrel.
 
 
 
Por: Ivo Lima Brasil Jr.


Por encomenda da Cia Sul Riograndense de navegação, o Petrel foi construído no estaleiro Osborne, Graham & CO Ltd Shipyard em Hylton, Sunderland, Inglaterra, a partir do ano de 1911, e veio em 1912, numa viagem de 35 dias, navegando para o Rio Grande.
Tratava-se de uma chata a vapor de 800 toneladas de peso bruto, calado máximo de 7 pés (2,2 m), com potência de motores de 150 cavalos, construída com o intuito de ficar restrita à navegação na lagoa dos patos, fazendo o serviço de transporte e alívio dos vapores entre Rio Grande e Porto Alegre.

Gerou muita polêmica na época de seu naufrágio, documentado como ocorrido na noite de 08/06/1915, o fato de estar ou não apto à navegação oceânica, com repetidas declarações por parte de autoridades que o Petrel não poderia realizar este tipo de navegação, especialmente durante o inverno, época em que as tempestades eram comuns, e defendendo-se afirmam representantes da cia Sul Riograndense, proprietária do navio, que o mesmo tinha licença de primeira classe do Lloyds Register para navegação oceânica, estando registrado para o trecho Rio - Buenos Aires, e tendo sido vistoriado pela última vez em 11/02 daquele mesmo ano. Um fato que no entanto não é contestado pelos proprietários nem pelo afretador, registrado em documentos da época, é que o Petrel teria partido de Santos em 29/05/1915, última parada da viagem até o Rio, com excesso de carga, levando inclusive no convés cargas que deveriam estar no porão.
O excesso de peso é atestado pelo oficial de alfândega no porto de Santos e está registrado também que contribuiu para o seu naufrágio que a carga, além de excessiva, estivesse mal estivada.



O Petrel estava a quatro meses fretado para transporte de sal do Rio de Janeiro para o Rio Grande do Sul, por José Pacheco Aguiar, da Pacheco Aguiar & CO, um comerciante estabelecido à rua Primeiro de Março, que negociava sal grosso. O Petrel partiu do porto de Rio Grande (RS) para sua última viagem em 05/05/1915, rumo ao Rio de Janeiro, encontrando mar grosso pelo caminho, o que o forçou inclusive a uma parada não prevista no porto de Florianópolis (SC). Ao chegar ao Rio deveria ser fretado também pela cia Hoepcke para retornar até São Franscisco do Sul (SC), com escalas em Itajai, Florianópolis e Laguna, levando carga fracionada. Diversos registros, inclusive anúncios diários em jornais da época, informando data prevista da partida e fazendo a chamada de cargas para o navio podem ser encontrados desde o dia 28/05/1915, e constam notas em colunas de movimento portuário informando a saída prevista do Petrel inicialmente para 04/06/1915, dia seguinte da sua chegada prevista. Em 04/06/1915 no entanto, a data de saída passa a ser 06/06/1915, já em função do Petrel não ter ainda chegado ao porto na véspera. Os registros assim persistem até o próprio dia 06/06/1915, e desaparecem no dia seguinte, levando a crer em um primeiro momento que a chata a vapor Petrel, havia deixado o porto do Rio de acordo com a previsão, quando na realidade o navio apesar de não mais constar entre os vapores a sair do porto do Rio, também não tinha registro de ter saído no dia 06/06/1915, por nunca ter chegado ao Rio.
O último registro do navio foi da sua saída do porto de Santos em 29/05/1915, última parada antes de chegar ao Rio.

Sendo a cia Sul Riograndese uma empresa de capital austríaco, suspeitava-se inicialmente que o Petrel tivesse sido retido por navios de guerra (O ano de 1915 foi durante a 1a. guerra mundial) e os primeiros registros do desaparecimento do Petrel são de jornais de 14/06/1915, quando se começa a achar demasiado o atraso na chegada do mesmo ao Rio, e é enviado o vapor Planeta, de propriedade da Pacheco Aguiar & CO, afretadora do Petrel, para verificar sinais do mesmo. É mencionando ainda nos documentos que o Petrel ainda era esperado em São Franscisco do Sul, de onde se pode concluir que o Petrel que saiu do Rio Grande em 05/05/1915 e o Petrel que deveria ter saído do Rio em 06/06/1915 com direção à São Franscisco do Sul eram na realidade o mesmo navio. No dia 15/06/1915, é reportado em memorando às autoridades e à polícia marítima, enviado pelo próprio afretador, José Pacheco de Aguiar, que vestígios foram encontrados no litoral norte de São Paulo, mais precisamente na região de Ilhabela e Ubatuba e citando especialmente dois modelos em miniatura, sendo um deles do próprio Petrel, e o outro do vapor Campeiro, modelos que se sabia encontravam-se na cabine do comandante do navio. No dia seguinte o comandante do estado maior da armada dá ordem ao contra torpedeiro Mato Grosso para que faça uma varredura no litoral sul brasileiro, acompanhado do rebocador Laurindo Pitta, e estes reportam nos dias 19 e 20/06/1915 terem encontrado vestígios conclusivos do naufrágio do Petrel desde Ubatuba até a barra sul de São Sebastião, entre os quais pipas de "graxa" riograndense, sinônimo que se usava na época para o sebo que o navio trazia do Rio Grande para comerciantes do Rio, juntamente com caixas de banha, as principais cargas do navio. Foram encontrados também sacos de farinha e réstias de cebolas, além de destroços com a marca "P", e o capitão do Mato Grosso afirma ainda, confirmando declarações de habitantes do litoral norte de São Paulo, que o mar estava muito agitado por repetidas tempestades, e que o naufrágio deve ter ocorrido antes da barra sul de São Sebastião (relativamente à rota do Mato Grosso, que descia do Rio), posição estimada em função provavelmente das correntes marinhas e posição dos vestígios encontrados. O naufrágio é então oficialmente anunciado e toda tripulação de 24 homens dada como morta.


O casco do Petrel estava segurado na época por £10.000 (190 contos de reis), e a carga avaliada em 260 contos de réis, porém sem seguro. O valor de 190 contos de reis representava um valor acima do que valeria a chata na época, o que não motivou um empenho maior nas buscas pela companiha Sul Riograndense, proprietária do Petrel, mas apenas pela Pacheco Aguiar & CO, responsável pela maior parte da carga.


São os seguintes os 24 homens que perderam a vida no naufrágio do Petrel:

Manoel Severiano de Medeiros , capitão
Manoel Silva, imediato
Virgilio Silva, piloto
Hermogenes Medeiros, mestre
Eduardo Alves, dispenseiro;
Lauro Dias, Domingos Stanl, cozinheiros
Olavo Felipe, criado
Durval Garrido, Olympio Geraldo Silva, Manoel Mon'ca Santos, maquinistas
Moyses Soares Silva, cabo foguista
Abilio Dias Gonçalves, Franscisco Miranda, Manoel P. Varella Lima, foguistas
Jose Lauriano Silva, Jose Alves Carvalho, Philomeno Nascimento, carvoeiros
Luiz Manoel da Silva, Franscisco Freitas, Franscisco Santos, Julio Cardoso, Fabio Souza, Alfredo Souza, marinheiros



A data do naufrágio e sua causa foram confirmadas a partir do contato com o Sr. Sergio Torres da Silva, neto de uma das vítimas, o maquinista Olympio Geraldo Silva, que teria jogado ao mar em uma garrafa uma carta de despedida que foi encontrada em 08/03/1916 em Barra do Rio Grande (RS), e encaminhada à família da vítima. Na carta o 2o. maquinista do Petrel afirma que o mesmo estaria sem hélice e sem leme, e que o tempo estava desfeito, ou seja, o Petrel encontrava-se à deriva em uma tempestade, e ainda de acordo com a carta o navio estava fazendo água, a data seria 01/06/1915, e o Petrel estaria ao largo de Alcatrazes, ilha do litoral norte paulista, hoje área de treinamento de tiro da marinha. Levando-se em consideração a situação do Petrel descrita na carta quando passava em 01/06/1915 ao largo de Alcatrazes, a data de 08/06/1915, na altura de Ubatuba, citados em documentos da época como prováveis data e local do naufrágio, são perfeitamente coerentes.

Foto do Sr. Olimpio
2º maquinista do Petrel


reprodução da carta encontrada


O local preciso ainda é objeto de pesquisa, porém de difícil determinação por não existirem na época recursos para marcação adequada e comunicação imediata no momento do naufrágio para registro mais preciso, o que se tem são indicações da época onde é mencionado que um pescador teria visto o Petrel naufragar próximo à ilha dos Porcos (nas cartas náuticas atuais ilha Anchieta, localizada a 23o 32' 40" S, 45o 3' 50" W), porém relatam fontes da época que a credibilidade da fonte desta informação seria duvidosa.

   
Agradecimentos:
Maurício Carvalho e Sergio Torres da Silva
Acervo histórico do museu do porto do Rio Grande
Acervo histórico da cia de navegação Hoepcke
Equipe do site http://www.virtualsunderland.co.uk/

 

Outras fontes:
Jornal do Comércio
Jornal O Paiz
Jornal Correio da Manhã
Registros da Marinha
Registros do estaleiro Osborne, Graham & CO

 


Ivo Lima Brasil Jr.

Ivo Lima Brasil Jr. é engenheiro de computação com mestrado em inteligência artificial, e trabalha com comércio exterior. Mergulha desde 1996, quando iniciou como mergulhador CMAS.
Hoje é mergulhador nível Dive Mentor PDIC, com especializações em Naufrágio, Rescue, Nitrox, Multinível e Computadores, Equipamentos e Vida Marinha.
Tem especial interesse em mergulho e pesquisa de Naufrágios.